Em meados da década de 70 desloquei-me à Finlândia por razões profissionais. Hospedei-me num hotel de cinco estrelas ligeiramente fora da capital. Num dia em que decidi jantar no restaurante do hotel fui servido por uma empregada muito amável. Fomos conversando durante a refeição, até que, em certo momento, me perguntou qual era a minha nacionalidade.
Quando lhe disse donde era a senhora começou a falar sobre a História de Portugal com conhecimento que suplantava o meu. Surpreendido, quis saber da razão, que justificou com o facto de possuir o curso superior de História Universal, tendo tido especial interesse pela que respeitava ao nosso país.
A minha surpresa levou-nos ao ponto de compararmos a escolaridade no meu e no seu país. Na Finlândia não havia analfabetos; o enino era compulsoriamente obrigatório por duas vias: a formação vocacional e a formação superior. Em Portugal, existiam cerca de 25% de analfabetos e o ensino ainda não era obrigatório A maioria da população analfabeta residia em espaços rurais ou era gente mais idosa. E muitos dos jovens incorporados no Serviço Militar Obrigatório aprendiam a ler e escrever no próprio quartel.
Li recentemente neste jornal que mais 74 arcuenses acederam à continuação dos seus estudos a nível superior. No meu tempo, nos anos quarenta, não chegariam a meia dúzia. E, no final do curso superior, a colocação estava assegurada, sobretudo nos Serviços do Estado, ocupando, por vezes, posição que desconhecia o trabalho dos que ia ou devia dirigir. Ser doutor era suficiente…
Fui emigrante a partir do início dos anos 50. O vencimento de cargo compatível com a minha habilitação, cá em Portugal, era da ordem de 1000/1250 escudos. Para ser admitido era preciso haver vaga e, não raramente, fazer concurso e, frequentemente, ter cunha! Fui auferir um vencimento da ordem dos cinco mil escudos, procurando condições económicas para constituir a minha própria família. Inicialmente tive de aceitar um cargo que, para cá, não estaria nos meus planos; era inferior relativamente à qualificação que possuía. Foi com a minha dedicação que consegui chegar a um nível de trabalho mais aceitável. Procedimento, aliás, habitual à maioria dos licenciados que emigram à procura de melhor remuneração.
No Japão, onde me deslocava por razões de trabalho, tive oportunidade de assistir, no fabricante de automóveis Toyota e no início da década de 70, à admissão de aprendizes já em fato-macaco e acabados de concluir o seu curso, profissional ou superior. Em conversa com um responsável que havia começado assim, disse-me com naturalidade que o seu chefe havia feito carreira através de ensino profissional enquanto ele estudara no ensino superior,
Lembrei tudo isto para me pronunciar sobre o que penso no que sucede com a maioria dos licenciados que deixam Portugal. Sei, por experiência própria, que a maioria dos que o fazem é por razões monetárias. E que, em muitas circunstâncias, aceitam começar com um trabalho que, em Portugal, seria motivo de reparo por quem, como costumo dizer, ainda vive na “época dos doutores”.
O avanço da literacia no nosso País, como estes 74 arcuenses mostram, terá de caminhar, como vi na Finlândia em 1970, sem preconceitos sobre o começo ao mesmo nível de um concorrente menos qualificado. A maior preparação e o propósito de melhor compensação material serão o caminho para chegar mais depressa a posição compatível.
No nosso país, as constantes alterações no Ensino, incluindo a desvalorização do ensino vocacional, têm sido, no entendimento da minha proveta idade, responsáveis pela progressividade de salários que evitem a “fuga” de licenciados ou não.
Às vezes, recordando as circunstâncias, quero crer que a empregada do hotel na Finlândia terá chegado a diretora de um hotel, como desejava, ao decidir começar como empregada de mesa do restaurante…
Rui Sampaio