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Morreu Alberto Henrique Ferreira, um senhor do salão e da serra

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Partiu mais um amigo! Vamos ficando cada vez menos…

Partiu da forma e no momento que menos esperávamos. Inclusive ele próprio. 

O “Dr.” Berto, filho de quem era, tinha sempre um diagnóstico possível para as maleitas dos amigos, sempre disposto a dar recomendações. Por vezes dava mesmo ralhetes….

A cebola cortada na cabeceira da cama fazia milagres na época das gripes! Algumas infusões da gente da serra curavam indisposições ou enfartamentos. Mas a todos recomendava ir ao médico. Às vezes sobre ele próprio tinha alguma hipocondria. Mas parece que desta vez nada disso aconteceu…  Infelizmente, os problemas estão ao virar da esquina e são inesperados… 

Foi um bom amigo com quem partilhei momentos em sítios tão diversos como aqui no nosso “tibo”, como ele gostava de dizer, como em Manaus, no meio do Amazonas, ou em Fernando de Noronha, no meio do Atlântico, convivendo com lagartos e osgas gigantes e comendo um peixinho literalmente acabado de caçar à mão pelo “negão” que tinha o bar na praia. E como ele se divertia com estas coisas, algumas minúsculas, mas inusitadas! Era uma pessoa muito atenta aos pequenos pormenores. E que valor lhes dava!

Partilhámos circunstâncias muito interessantes próprias da juventude, outras mais sérias que interferiram para sempre nas nossas vidas e outras que contribuíram para alterar o destino de outras vidas. Foi assim com a Cachena e o Garrano. A serra e as suas gentes eram a sua paixão. Tinha uma profunda admiração por aquelas gentes, pelo seu conhecimento, pela sua pertinácia, pela sua resiliência. Com muitas conversas noite dentro, fez-me dar a conhecer aquelas gentes de Cabreiro, de Gondoriz e de outros lados. O que conseguiu fazer na salvaguarda do Garrano e, mais empenhadamente, pela raça Cachena, é memorável. Desapareceu o presidente da Direção da Associação de Criadores da Raça Cachena, de que ambos fomos fundadores.  As raças Garrana e Cachena têm enorme projecção graças à sua tenacidade e habilidade de negociar. O Berto era um senhor do salão e da serra. Haveria muito que contar sobre o trabalho de persuadir as pessoas que tinham poder decisão, algo a que ele se votou de alma e coração. O Livro Genealógico da Raça Garrana não ficou por cá, porque houve que se fazer cedências para conseguir algo para cá. Tinha essa perspicácia e clarividência!

O gosto por este mundo surgiu muito por influência do avô Barreiros, pessoa com quem foi criado e educado e que teve sempre na formação da sua personalidade uma grande influência. A cortesia e delicadeza de trato tinham muito a sua influência. A avó Sara tinha toda a influência de gente de negócios. O avô materno também tinha alguma ascendência na perspicácia e sageza do negócio. O seu primeiro negócio teve alguma influência dele, e foi feito com uma vitela, provavelmente “pisca”… As idas à serra para a caça, a casa na serra, que para gerações de amigos foi sempre um local culto, onde vivemos grandes e bons momentos, moldaram a sedução e o deleite pelo ambiente serrano. 

A casa era, à época, incomum. Com a singeleza de um abrigo de montanha, tinha uma decoração de muito bom gosto. A mãe era uma senhora que colocou enorme empenho na sua decoração.  

Da casa da serra via-se o território que ele adorava. Cada incêndio naquelas terras eram “farpas” que lhe espetavam no coração. O incêndio que lavrou no Ramiscal foi um desgosto indescritível. Para ele o Parque Nacional era algo imprescindível, ainda que intensamente criticável. Quando Tito Costa foi director, o Berto acreditou que o Parque estava no caminho certo. O director respeitava as populações e os seus anseios, mas não deixava que alguém transgredisse as regras. Era essa a forma de ser do Berto. Gostava de liberdade para fazer, mas dentro de regras bem conhecidas.

Outra das paixões materiais do Berto eram os automóveis. Influências do tio materno, piloto de ralis, e por aí se fizeram alguns ralis “clandestinos”, com o conhecimento velado do tenente Picas.  Essa aventura tinha um parceiro que era o meu irmão, o “pendura” de sempre. Eu andava com outro amigo comum, também já desaparecido, o Zé Gabriel. Também os dois eram espetadores do Rali de Portugal de norte a sul. Numa dessas idas a sul, a Sintra, para ver o Markku Allen – ainda não estava ligada a auto-estrada do Porto a Lisboa -, tivemos na Mealhada um acidente, em que matámos um cão, um exemplar bem grande. A preocupação não foi o carro, nem nós, foi o pobre do bicho. Ele teve um desgosto enorme. A justificação a dar ao pai por ter danificado o Mercedes não iria ser fácil, mas a morte do animal destroçou-o. Nem o espectáculo de Sintra melhorou muito o seu humor… Valeu o carinho que consagrava àquela que viria a ser a sua mulher, a Isabel.

Dessa relação surgiu o grande amor da vida dele, a Sara, apenas ultrapassado pelo amor que devotava aos netos. O Berto realizou-se ao ser avô. A casa de praia para estar com a família era algo que o fazia ser um “acrobata”, correndo de um lado para o outro, com algum stress à mistura. Mas nada que a companhia dos netos ou um peixinho com os amigos pescadores não compensasse.

A paixão dos últimos anos, que não acompanhei de perto, era o barco. Era uma sedução recente e uma ocupação a cada sábado (curiosamente algo contraditória com a loucura pela serra). Nunca me foi capaz de explicar…  Mas quem sabe se um dia o irás fazer!?

Até um dia amigo.

Vítor Correia

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