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Sexta-feira, Dezembro 27, 2024
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Reconstituição histórica do Recontro ponto alto do evento com “vivas” a Portugal Recriação do Recontro de Valdevez empolgou burgo trajado de medieval Famílias “adoraram” investidura dos cavaleiros petizes

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Torneio de Valdevez converteu-se em “lição de diplomacia”

O Recontro de Valdevez, ocorrido em 1141 entre o exército de Afonso Henriques e o do primo Afonso VII, figuras centrais do “único torneio registado na história medieval portuguesa”, foi superiormente reconstituído pela companhia de teatro Conteúdos Mágicos (de Santa Maria da Feira) no fim de semana de 8 e 9 de julho. As diversas recriações da vida de há 882 anos – artes, ofícios, comércio, música, dança, teatro, costumes e petiscos – ajudaram a reproduzir, o mais fielmente possível, toda a vivência que rodeou o Recontro, transformando o burgo numa vila medieval. Como nas quatro edições anteriores, o Paço de Giela serviu de espaço cénico para uma “viagem” ao século XII, na qual o movimento associativo arcuense “embarcou” em peso. 

O primeiro grande momento, antecedido de pequenos concertos musicais (de recriação histórica), consistiu num espetáculo equestre (com perícias de cavaleiros) para adestrar os homens de armas do exército de Afonso Henriques, Dux Portucalensis, que iria defrontar Afonso VII de Leão e Castela, em Recontro, no mesmo campo, horas depois. Na nobre profissão das armas, como seria de esperar, mostraram mestria no manejo de lança, espada e pique. Com a frontaria do “castelo” nas cercanias, foram dadas instruções para reforçar a esperança e o espírito nas hostes de Afonso Henriques. E foi feito um agradecimento às gentes de Valdevez. 

De seguida, numa cerimónia cheia de graciosidade, no acampamento militar, Afonso Henriques armou cavaleiros dezenas de petizes. O arcuense Thiago Branco, de cinco anos, foi um dos que receberam o diploma, “no âmbito das reais comemorações do Recontro, dito de Valdevez, que Afonso Henriques, em 1141, travou com o primo Afonso, o VII, imperador dos leoneses e castelhanos, o no qual os portucalenses saíram vitoriosos”, lê-se no certificado. O pai, Norberto Branco, regressado da Venezuela há meia dúzia de anos, assiste empolgado à investidura do filho, que mais tarde mostraria dotes na arte de manejar a lança. Também Leonor Cerqueira, de sete anos, e a prima Carolina Mendes, de dez, empunham o diploma com orgulho. “Esta encenação é um momento mágico, estamos a adorar”, contaram ao NA os pais de Leonor, Bruno Cerqueira e Luísa Borlido, de Viana do Castelo. 

Até ao espetáculo noturno, reinou o espírito medieval na Praça dos Mercadores e dos Ofícios, no Largo do Sustento, no Retiro dos Infantes e na Ladeira dos Renegados, alguns dos espaços de visitação, enfeitados com centenas de fardos de feno. Nos acampamentos medievais, de tudo um pouco pôde ser admirado e experimentado, entre armaduras, lanças, artigos de carpintaria, tecelagem, costuraria, ferraria, velaria… João Dias Maia, com raízes nos Arcos, e outros 12 elementos do grupo Espada Lusitana, com sede em Loures (mas com vários núcleos espalhados pelo país), detêm-se a dar lições práticas de esgrima, enquanto dois colegas explicam a progressiva sofisticação do elmo (“capacete” com viseira e crista), por um lado, e o papel da cota-de-malha (armadura), por outro. “A cota, espécie de vestidura, é uma barreira de proteção contra cortes. Foi trazida pelas primeiras evidências arqueológicas sobre os Celtas… A camisa de cota-de-malha pode pesar entre 15 e 17 quilos, mas o peso está bem distribuído. E um fato completo pesa cerca de 25 quilos”, estima.

Para a animação que foi sendo desfiada no recinto, praticamente sem tempos mortos, até ao torneio de armas a cavalo, muito contribuíram os 526 elementos do movimento associativo arcuense (todos trajados à época medieval) e, sobretudo, os grupos (música e dança) que a organização contratou para este evento de reconstituição histórica. Os Goliardos (de Óbidos) trovaram no espaço fronteiro ao Paço de Giela e a eles se juntaram seis dançarinas do grupo Scalarium (de Santa Maria da Feira), aliando, na perfeição, a música (gaita-de-foles, alaúde e percussão) às coreografias das “donzelas”, numa feliz interação que deixou o público rendido. Complementarmente, o grupo Curinga (também de Santa Maria da Feira) levou ao Paço as sonoridades medievais com a ajuda de instrumentos como a gaita-de-foles, o bombo, a caixa e a vihuela (viola de mão, assemelhando-se a um alaúde).

Além da prática de esgrima medieval e da música de recriação histórica, sobraram atividades propícias ao entretenimento, onde se misturaram rábulas improvisadas, pequenos torneios, cunhagem de moeda, demonstrações de falcoaria e o Bobo na corte. Mas para as crianças as principais atividades de recreio prenderam-se com as histórias fantasiadas, os jogos/brincadeiras tradicionais, as grafias medievais e a oficina do fogo. 

Concomitantemente, no acampamento militar, os elementos cenográficos e afins, como decorações, estandartes, trajes e tapeçarias, concorreram, especialmente, para a vivência medieval. Numa dessas tendas, fazem-se coifas, costuras e remendos para “retratar quer a vida militar quer a vida medieval”, e, nas imediações, estão reproduzidos os diferentes tipos de armaduras e proteções dos soldados, assim como o transporte de armas.

Na ala dos artesãos locais Mário Sousa Cerqueira, do Vale, não deixa cair no esquecimento a arte de cestaria. “Não é, nunca foi, a minha atividade profissional, mas faço questão de dar continuidade à veia artística do meu falecido pai, Avelino “Cesteiro”, que legou à família uma oficina para que eu pudesse continuar a fazer cestas de castanho e de austrália, para as quais até tenho uma encomenda do estrangeiro”, diz o artesão de 67 anos. 

Na “praça” da alimentação, com muitas iguarias “medievais” no menu para abrir o apetite, lá estavam as fogaças, o pão com chouriço, o hidromel, os licores, as compotas de base artesanal, os enchidos, os crepes, as panquecas e outros produtos. Nas tasquinhas dos produtores locais, os petiscos que mais saíram foram as bifanas, as pataniscas, os rissóis e os bolinhos de bacalhau. E os restantes comerciantes foram vendendo algumas joias “medievais”, artigos em pele e peças de cerâmica.

Entretanto, abeira-se a hora da encenação noturna. Muitos visitantes sobem a calçada em direção ao anfiteatro que ladeia o “campo de batalha”. O público acantonado nas imediações da “arena”, mal recebe ordem, entra no anfiteatro, pequeno para acomodar tanta gente, que se aglomera, também, no campo de cima, com vista privilegiada para a liça que se aproxima. Para criar o efeito pretendido, a organização distribui coroas pelos espetadores, “reis” por um dia…

Ao campo de peleja, chega o exército de Afonso VII de Leão e Castela. Alertado, Afonso Henriques sai-lhe ao encontro e está montado o “arraial” em Terras de Valdevez. Anuncia-se o episódio. É o Recontro de Valdevez. A eles, juntam-se, com honra, valor e denodo, os mais valentes homens de armas – d’el rei de Leão e Castela (Afonso VII) e de Afonso Henriques, rei dos Portucalenses – que se hão de digladiar em jogos de perícia e manejo, já depois da tomada de assalto ao castelo pelo cortejo de recrutados e guerreiros.

Nesse período, conforme os relatos da História, traçava-se o limite de fronteiras. Na disputa de território, a moirama (terra de muçulmanos) e os mouros, a sul, eram o inimigo comum e nisso residiu um ponto de concórdia que evitou uma tragédia. “Não haveria bom resultado na contenda, se as coisas dessem para o torto”, concluiu-se. Ou seja, as duas forças beligerantes, sem derrame inútil de sangue nobre, sairiam, evidentemente, ambas a ganhar.

E, de facto, em vez da esperada batalha, houve, sim, entre os “melhores homens”, um simples bafordo (de costume medieval). Neste episódio, do lado Portucalense, foi aferida a prova da conquista do paço, feita pela cavalaria; da parte de Leão e Castela, a prova consistiu numa espécie de cerco. Também foram realizadas “justas de cortesia”, assim como um frente-a-frente, com recurso a espadas e lanças. Mas, em obediência ao bafordo, ou seja, ao “juízo divino”, coube a “Deus Nosso Senhor”, com a sua justa, ditar que seriam os portugueses (fizeram dois cativos contra nenhum do “exército” oponente) os vencedores deste litígio. 

 

 

Ora, quando estão volvidos 882 anos sobre este torneio, o principal ensinamento que se tira é que os exércitos em liça perceberam que se podia fazer muito mais unidos do que separados. E esta lição não só é bem representada pelo abraço entre os contendores da refrega como também é superiormente simbolizada pela alegoria “amor em tempo de guerra”, funcionando como uma espécie de senha para um futuro redentor, consequência da afirmação de Afonso Henriques no seu voluntarioso sonho de construir um reino autónomo no extremo ocidental da Europa, grito triunfal festejado, nesta recriação, com uma “explosão” de fogo, que, no meio do breu, se ergueu do Paço de Giela.

A quinta edição da reconstituição histórica do Recontro de Valdevez emparceirou a Câmara Municipal, a companhia de teatro Conteúdos Mágicos e o movimento associativo arcuense.

A.F.B.

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