Às vezes, os poetas são profetas… Na perspetiva do 50.º aniversário do 25 de Abril, revisitei o primeiro livro de poemas do meu marido, José Terra, e queria destacar o seu poema visionário “TRIUNFO”, escrito 25 anos antes da “Revolução dos Cravos”.
O livro de poemas o CANTO DA AVE PRISIONEIRA (1949), do jovem José Terra, é elucidativo do ambiente pré-Revolução. Com apenas 20 anos, o poeta de Prozelo descreveu o medo que constrangia e consumia Portugal durante o Estado Novo
INSEGURANÇA
Tenho medo de ti, ó meu irmão,
Dessas palavras mansas tenho medo.
Se até as pedras ouvem o segredo
Guardado nos confins do coração.
Tenho receio, amor, dessa canção
Que tu me cantas, desse teu enredo.
Será teu corpo a nau para o degredo,
Teus braços nus as grades da prisão?
Minha mãe! minha mãe! não te confio
O meu destino e é vão esse teu pranto!
Não trairás acaso o filho amado?
Não me conheço nesta voz que rio,
Espreitam-me assassinos, e, no entanto,
É um criminoso o que ficar calado!
Em 1949, o poeta denunciou, também, a miséria que assolava as aldeias e reinava nos bairros populares das cidades e vilas.
JURAMENTO
Pelos meninos nus que apodreceram
Ao frio e à fome, à boca das aldeias,
Pelos mendigos, pelas mães plebeias
Chorando sobre os filhos que morreram!,
Pelos homens sem pão que enlouqueceram,
Pelos anhos nos dentes das alcateias,
Pela raiva que corre nas minhas veias,
Pelos heróis que os fornos derreteram!,
Pelo meu pensamento agrilhoado,
Pelos que choram, pelos que batalham
Pelas crianças rotas na orfandade!,
Pelo direito do homem esmagado,
Pelos que sofrem, pelos que trabalham,
— Eu gritarei teu nome – ó Liberdade !
Mas o poeta visonário cantou, em 1949, num sonho com 25 anos de antecipação, a vitória dos Capitães de Abril.
TRIUNFO
Eles caminharão, feridos do combate,
Sobre as ondas do mar e a fúria das procelas,
Nos olhos a fulgir o brilho das estrelas,
E nos punhos, ao vento, o pendão do resgate !
Aos seus passos viris florirão primaveras
De rosas e canções, de braços e de esperanças,
Abençoá-los-ão as pálidas crianças,
Nos covis da montanha hão-de sorrir as feras !
E levantar-se-ão os homens que dormiam
E não poderão ver os dias fabulosos,
E as virgens sem amor que à chuva apodreciam.
Eles caminharão no dorso dos leões,
E archotes erguerão nos braços musculosos,
Alumiando a estrada às livres multidões !
Noutro poema, José Terra, em 1949, acrescenta, esperançado:
Então florescerão estes meus braços
Num canto rutilante à liberdade
E a fronte cingirei de rubros cravos…
Por fim, no poema “CANTO DO RESGATE”, José Terra implora no último terceto:
Sobre os ombros do povo unido e forte,
Deixai, deuses coléricos, deixai
Que minha pátria, livre, se levante!
Recolha e anotações de Monique da Silva