O Conservatório de Música e Dança de Arcos de Valdevez promoveu, no passado dia 26 de janeiro, no auditório da Casa das Artes, a quarta edição da iniciativa ‘Conversas na Escola’, uma vez mais subordinada à “importância do ensino das artes no desenvolvimento das crianças e dos jovens”.
Após a dramatização do texto “Todo o Mundo e Ninguém” (de Gil Vicente), pelos alunos do curso básico de Teatro, a atenção do público virou-se para os convidados Luís Represas (músico), Sofia Nicholson (atriz) e Luís Marques Mendes (antigo deputado pelo Alto Minho e ex-governante), este à distância (conferência online).
Sob moderação de António Teixeira Rodrigues, os ilustres depoentes, de uma forma ou de outra, sublinharam o impacto que as artes (música, teatro, dança, canto, pintura…) têm no “desenvolvimento pessoal”, na “expressão de emoções”, na “contemplação do belo” e no “fomento do espírito crítico”, desde logo porque o ensino artístico “educa para os valores do Homem livre”.
Tendo por base o princípio de que “é através da arte que se constrói a individualidade da criança”, a atriz Sofia Nicholson, mesmo admitindo que o “ensino convencional, quase dogmático, coarcta as liberdades”, fez avultar, no entanto, o papel do “ensino artístico para o desenvolvimento das habilidades intrínsecas” pelas “oportunidades” que a cultura e as artes oferecem.
A este respeito, Luís Marques Mendes sublinhou que “a arte/cultura, nas suas diferentes modalidades (música, dança, teatro, cinema…), funciona como um elevador social e a sua importância é inegável para os jovens, pois abre mundos, muda mentalidades e rasga a imaginação”.
Na mesma linha, e como pedra-de-toque, o músico Luís Represas reafirmou que “a arte é um fator determinante para fazer acontecer, uma vez que ela nos abre os olhos, transformando-nos naquilo que não somos – podemos ser tímidos, mas, quando estamos em cima do palco a representar ou a cantar, somos outros”, disse o artista que deu voz ao tema “Timor”, marcante na luta pela autodeterminação do povo timorense.
“Conservatório dos Arcos pode fazer a diferença na região”
Se há décadas era quase uma excentricidade estudar artes, hoje em dia, já não é assim, pois a componente artística passou a ter alguma centralidade na escola que antigamente não tinha. “Apesar da evolução, a democratização no acesso à cultura é um instrumento que temos de valorizar ainda mais. Se fazer cultura em qualquer ponto do país é importante, então, no interior de Portugal é ainda mais decisivo. As oportunidades em Lisboa ou no Porto são substancialmente maiores, como são os públicos e os recursos. Daí que o Conservatório dos Arcos tenha uma importância capital, é um equipamento que pode fazer a diferença na região, pela oportunidade que dá aos alunos de acederem à música, à dança e ao teatro”, elogiou Luís Marques Mendes.
Sem rodeios, Sofia Nicholson pôs o dedo na ferida. “Devia ser obrigatório haver conservatórios em todo o país. Existem muitas formas de expressão que as crianças podem experimentar para ver onde é que se sentem mais confortáveis. Sou de opinião que a liberdade de expressão deve ser cultivada desde a meninice”, defendeu a atriz que compôs o elenco da novela “Deixa que te leve”, rodada nos Arcos há cerca de 15 anos.
Por seu lado, Luís Represas, com raízes familiares em Afife (Viana do Castelo), fez subir a primeiro plano a força da educação artística. “A arte não serve só para quem vai seguir uma carreira artística, serve fundamentalmente para nos formarmos enquanto cidadãos e enquanto seres humanos na sua plenitude”, vincou o artista, que encerrou a sessão com dois momentos musicais (“Aprendiz” e “Prece”), acompanhado pela orquestra formada pelos professores do Conservatório, assim como pelos alunos do curso de Iniciação e Básico (2.º ciclo).
Duas perguntas a Sofia Nicholson e a Luís Represas
“Podemos expressar mensagens que não são convenientes através da cultura”
1. Qual o papel da arte nos currículos escolares e na sociedade em geral?
SN – Os currículos escolares deviam privilegiar mais a componente artística, pois a arte permite abrir muito mais horizontes, desenvolver a imaginação/criatividade e construir um pensamento crítico. A arte não impõe nada e dá asas para que as crianças descubram outras valências. Nenhuma criança é igual à outra, cada uma tem a sua própria forma de expressão.
LR – A arte serve para descontrair, trazer beleza, puxar pelas coisas mais belas que somos capazes de transmitir e devolver às pessoas essa capacidade de usufruir, dando caminhos mais positivos à vida. A arte tem ainda uma faceta menos conhecida: confere e exige disciplina. Além disso, é um processo de partilha, mesmo que não seja desenvolvida em equipa, o resultado é a partilha de quem a executa para quem a vê e para quem se destina. Ou seja, a arte consegue cultivar a individualidade e o coletivo: cada um de nós, quando valorizado na sua individualidade, pode transformar a sociedade.
2. Por que razão a cultura é uma pasta ministerial relegada para segundo plano?
LR – É uma pergunta que nós fazemos constantemente, entendo que é uma realidade que urge modificar. Sabemos que a expressão artística, quando serve, é cultura, mas, quando não serve, é indústria. Temos de combater este estigma.
SN – Isso não é uma questão nossa, mas atrevo-me a dizer que a cultura, às vezes, incomoda – através dela, podemos expressar mensagens que não são convenientes. Veja-se, por exemplo, o teatro e a música de intervenção: não é por acaso que os artistas ouvem recorrentemente a expressão “lá está este ou esta a reivindicar”. A cultura tem um grande poder, consegue mover muita gente e, neste sentido, é incomodativa.
A.F.B.