Trabalhar na lavoura e cantar para distrair é um dos traços característicos da identidade soajeira, uma tradição que as associações locais têm feito perdurar, reproduzindo as cantigas, sempre que organizam atividades de recriação. No âmbito do projeto monográfico que o Grupo Soajo Identidade e Património – Associação de Desenvolvimento Local está a levar a cabo, realizou-se, no passado dia 29 de março, um novo ciclo de debate – pouco participado – à volta da importância do canto e da voz, como elementos de união comunitária, no trabalho do campo, reunindo as Cantadeiras de Soajo, autênticas guardiãs dos sons e ritmos dos cantares das mulheres da serra.
Na essência, “o canto e a voz, como expressão de alegrias, dores e esperança, existem ligados à terra, é um contexto muito próprio, e nós estamos num processo de desagregação destas duas realidades, a nossa ligação à terra e a nossa forma de nos expressar”, contextualizou o antropólogo Daniel Maciel.
No lançamento da iniciativa, as Cantadeiras revisitaram a cantiga “São João”, que, “com pequenas variações, conforme os lugares, era cantada sobretudo por mulheres após o trabalho duro do campo, fosse uma lavrada, um carreto de estrume, uma sachada ou uma roçada, para aliviar a pressão e a dor da saudade e do isolamento”, sustentou Elisabete Fernandes Barbosa, lembrando, à época, a vida de emigrante dos homens.
Outro tema alusivo ao trabalho no campo é a cantiga “Sachadeiras”, associada à cultura do milho (e do feijão), uma atividade assegurada amiúde pelos caseiros, que repartiam o produto com os rendeiros.
Já a cantiga “Desfolhada” é mais alegre e nela entra a concertina. “Neste canto aparecia o namorado e havia os namoradeiros para assustar. A desfolhada era feita muitas vezes de noite, pela madrugada, para facilitar o trabalho e preservar a palha”, contou Deolinda, que se recorda das “noites a desfolhar” e dos “dias a vindimar”.
Os “cantares de serão”, principalmente no inverno, em diferentes lugares (casas) e onde atualmente funciona o café da Casa do Povo da Vila de Soajo, eram animados pelas mulheres que se juntavam para trabalhar a lã (fiar, carpear…) ou para debulhar espigas.
O “Linho” era uma outra cantiga associada ao trabalho no campo até à década de 50 do século passado.
As “Quadras soltas” eram feitas a sós ou com companhia, com conteúdo agradável, à boleia do saber campestre, sendo motivo de despiques”, disse Elisabete Barbosa.
De pendor “mais triste”, as “Cantigas de Amor” relatavam os sentimentos e os anseios que as mulheres transmitiam por carta aos homens (maridos), emigrantes em países como a Argentina, o Brasil e, posteriormente, os Estados Unidos.
Em contexto de crítica mordaz, eram desfiadas as “Cantigas de escárnio e maldizer”.
Pequeno glossário
Açano = Gesto/Aceno.
Afoutar = Enfrentar/Ter ousadia.
Cabeceiro = Cada uma das extremidades de uma leira de terra.
Tola = Parte do rego onde há roturas pelas quais se escoa a água.
Renovação de trajes
O Rancho Folclórico das Camponesas da Vila de Soajo vai proceder à renovação (e arranjo) dos trajes e instrumentos musicais no valor de 8670 euros.
O Município arcuense aprovou um apoio de 5725 euros para o efeito.
A.F.B.