O grupo Soajo Identidade e Património – Associação de Desenvolvimento Local, em parceria com a Junta de Freguesia, o Município e a Comunidade Local dos Baldios, iniciou, no passado dia 22 de fevereiro, um ciclo de conversas sobre a essência de Soajo, a primeira alusiva às cavadas, tendo por base o arquivo audiovisual de António Neto (“Tenais”). Datado de 1987, o filme À volta das cavadas, depois de editado, foi exibido ao público presente no auditório da Casa do Povo da Vila de Soajo. Esta atividade inscreveu-se no âmbito do trabalho monográfico, documento histórico acerca das gentes de Soajo que só deverá estar concluído daqui a três anos.
Além da produção de uma monografia com as tradições vivas e perdidas, a historiografia e a memória oral, a recém-fundada associação soajeira pretende fazer o mapeamento, a identificação e a catalogação dos elementos mais significativos do património material e imaterial de Soajo, bem como levar a cabo projetos de desenvolvimento da comunidade, oficinas e exposições.
É no apego às tradições que a alma soajeira se engrandece e o amanho da terra está no âmago da localidade serrana: as práticas da cavada (com enxada) e da lavrada ainda são formas de trabalhar a terra muito presentes na memória do povo soajeiro. “As mulheres faziam quase tudo, os homens eram uns ‘senhores’, só andavam com o arado”, atirou Maria Neto.
No sistema tradicional, que ainda se preserva nalguns casos, “o pastoreio na serra de Soajo e nos montes da Peneda garantia uma parte substancial da alimentação animal durante uma grande temporada do ano”. Nos campos mais férteis era feita a sementeira. Mas antes disso “cavava-se a terra e faziam-se as beiradas, só depois é que se lavrava”, contaram António Amorim e Teresa Cerqueira. “À época, poucos tinham junta de bois e tratores não havia. As pessoas que podiam pagavam à hora os serviços que requisitavam”, recordaram vários membros do público.
Nos campos, produzia-se sobretudo o milho e o feijão para a alimentação de sobrevivência das famílias. “Em muitos casos, o milho era utilizado em troca de outros alimentos”, juntou Maria Neto.
A relação entre a produção vegetal e a agropecuária é salientada pela prática ancestral de adubar os campos com estrume gerado a partir de mato roçado na serra de Soajo e utilizado para fazer as camas do gado. “Era graças ao esterco que se conseguia a fertilidade das terras ao longo do tempo”, explicou Teresa Cerqueira.
Com o abandono gradual das terras agrícolas, e a redução das atividades de pastoreio, a que se junta o avanço de espécies florestais não autóctones, a paisagem que sobressai nas antigas veigas é o crescimento de matos, que, de tempos a tempos, são consumidos por incêndios cada vez mais severos.
“Dar voz à comunidade”
Esta primeira sessão, intitulada “À volta das cavadas – A mulher e a serra”, visou mostrar “o papel determinante da mulher no desenvolvimento de Soajo, num contexto em que predominava a emigração [dos homens]”, disse Luís Tiago, do grupo Soajo Identidade e Património. A segunda iniciativa do ciclo será dedicada aos “cantares”, à boleia dos registos sonoros que marcam a identidade e a essência do ser soajeiro, enquanto a terceira sessão terá como pedra de toque a “ruralidade”.
“Através destas três sessões temáticas, pretende-se dar voz à comunidade, recuperar memórias, valorizar tradições e lançar novos olhares sobre o presente e o futuro”, assim resume o grupo promotor.
“Urge preservar o património cultural imaterial”
Convidado pela organização, o presidente da Câmara Municipal salientou a “importância da interação entre os homens e as mulheres no meio. Sem dúvida que, nesta localidade serrana, os cantares contam muito do que era o dia-a-dia em matéria de trabalho, festas e fé”, frisou João Manuel Esteves, exortando a plateia a “preservar o património cultural imaterial”.
Equipa técnica responsável pela monografia
Sob coordenação geral de Luís Tiago, a equipa técnica incumbida de elaborar a monografia de Soajo é constituída por Daniel Maciel (antropólogo e coordenador científico), Aurora Santos (investigadora na área de agroecologia) e Cláudia Martinho (arquiteta e especialista em audiovisual).
Em simbiose com a comunidade local, um grupo de “figuras de relevo de Soajo” integra o Conselho Consultivo, enquanto a mediação é efetuada localmente por Alexandre Casanova, Vergílio Araújo e Manuel Couto.
A.F.B.