8.2 C
Arcos de Valdevez Municipality
Quarta-feira, Março 12, 2025
InícioGente da TerraDesenvolve ciência no prestigiado Centro de Regulação Genómica em Barcelona

Desenvolve ciência no prestigiado Centro de Regulação Genómica em Barcelona

Date:

Relacionadas

Futebol Três arcuenses em listas candidatas às eleições da AFVC

São duas as listas concorrentes às eleições dos órgãos...

Notícias dos Arcos: Há 119 anos a fazer um serviço de proximidade

O jornal Notícias dos Arcos completa este mês de...
spot_imgspot_img

Investigadora arcuense que já publicou artigo na revista Science sonha formar o seu próprio laboratório para estudar o “fascinante mundo interior das células”

Estudar o “mundo interior” das células é o que fascina a cientista e investigadora arcuense Cláudia Fernandes de Brito que, em “muito pequena”, já se “questionava sobre o porquê de estarmos vivos e como funcionamos”. À medida que foi crescendo, desenvolveu uma “paixão crescente pela matemática, biologia e química”, tanto assim que “estudar estas disciplinas era mais um prazer do que uma obrigação”. Recorda a importância do apoio de pessoas e professores inspirados como a doutora Filipa Teixeira e os professores Dulce Fernandes, Inês Pimenta e Carlos Dantas.

Licenciou-se em Bioquímica na Universidade do Porto, fez o mestrado na mesma área científica, desenvolvendo a tese no laboratório no IBMC (atualmente parte do i3S, também na Invicta), doutorou-se “no mesmo grupo de investigação” e está a realizar um pós-doutoramento no Centro de Regulação Genómica em Barcelona.

“Apesar dos desafios associados a uma carreira ligada à investigação, sinto-me grata por poder contribuir para o conhecimento e desenvolvimento científico”, diz Claúdia Fernandes de Brito, de Aboim das Choças.

 

Fale-nos do seu percurso académico.

Licenciei-me em Bioquímica em 2008 na Universidade do Porto. Não era a minha primeira escolha, mas rapidamente percebi que estava no lugar certo. Segui para o mestrado em Bioquímica na mesma universidade, desenvolvendo a tese no laboratório do Dr. Didier Cabanes. O ambiente estimulante e o trabalho interessante levaram-me a aceitar o convite para doutoramento no mesmo grupo de investigação, sob supervisão da Dra. Sandra Sousa. Os anos que passei neste laboratório foram os mais felizes da minha carreira até agora.

Iniciei o doutoramento em 2015, coincidindo com a formação do i3S, o maior Instituto de Investigação em Saúde, em Portugal. Durante os quatro anos e meios de doutoramento, tive oportunidade de trabalhar no National Institutes of Health e na Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América, por mais seis meses, experiências que foram desafiadoras, mas fundamentais para o meu crescimento pessoal e profissional. 

Defendi a tese de doutoramento em 2020, no início da pandemia, por videoconferência, tendo de desistir do sonho de apresentar o meu trabalho presencialmente. Mas este constrangimento revelou-se uma janela de oportunidade única: permitiu a presença virtual de amigos e colegas dispersos pelo mundo, criando uma dimensão global que transcendeu as barreiras físicas impostas pela pandemia.

Atualmente, estou a realizar um pós-doutoramento no Centro de Regulação Genómica (CRG) em Barcelona, no laboratório do Dr. Thomas Surrey, com o sonho de um dia poder formar o meu próprio laboratório.

Quais as suas áreas prediletas de investigação?

Sem dúvida o fascinante mundo interior das células. Imaginem as células como pequenas cidades, cada uma com a sua própria estrutura e organização. O meu foco principal é estudar o ‘esqueleto’ destas cidades celulares, chamadas de ‘citoesqueleto’. 

Este esqueleto celular é crucial, pois dá às células a sua forma específica, permitindo que desempenhem as suas funções únicas no corpo. É como se cada célula tivesse o seu próprio ‘fato à medida’ para realizar o seu trabalho.

[…] O meu trabalho atual é recriar em laboratório os processos que ocorrem naturalmente nas células, o que nos ajuda a compreender melhor como funciona o ‘citoesqueleto’.

Esta investigação fundamental, embora não seja diretamente aplicada, é essencial para expandir o nosso conhecimento sobre o funcionamento básico das células e alavanca avanços importantes em várias áreas da medicina e da biologia.

Desenvolve investigação em Barcelona no CGR, qual é o seu objeto de estudo neste reputado centro?

No CRG, instituição de referência mundial, aqui em Barcelona, eu e os meus colegas estamos empenhados em perceber como funcionam os microtúbulos, estruturas minúsculas dentro das nossas células, parecidas com pequenos tubos. Eles são muito importantes porque ajudam a manter a forma das células, participam na divisão celular, permitindo a distribuição perfeita do material genético em duas células filhas, e funcionam como “estradas” para transportar materiais dentro da célula. Imagine-se uma cidade (célula) sem estradas (microtúbulos), a cidade perderia a sua forma e não funcionaria bem, nem de forma eficiente. 

Para perceber como estas “estradas” são criadas, a minha investigação está focada numa estrutura especial chamada de ‘gamma-TuRC’ (complexo em anel de gama-tubulina). Descobrimos que o gamma-TuRC é como uma pequena fábrica que produz microtúbulos e que, quando a célula precisa de novos microtúbulos, o gamma-TuRC muda a sua estrutura e forma um anel que serve de molde para começar a construí-los.

Entender como os microtúbulos são formados pode ajudar a desenvolver tratamentos para doenças – como o cancro – relacionadas com problemas nessas estruturas.

Já publicou em revistas de renome, como a Science. Que estudos e trabalhos seus já tiveram o reconhecimento da ciência?

É verdade, tive oportunidade de publicar na revista Science, o que é algo especial. A Science, assim como outras revistas de prestígio, é muito seletiva e só aceita trabalhos que consideram ter um impacto significativo ou que representam avanços importantes na área. Muitos investigadores excelentes podem passar toda a sua carreira sem ter essa oportunidade e, por isso, é importante lembrar que na ciência cada contribuição conta, independentemente de ser publicada nesta ou naquela revista. […] O foco e o esforço que dediquei à minha investigação contribuíram para chegar até aqui, mas reconheço que isso só foi possível graças à colaboração e ao apoio de colegas e mentores.

Desde que se mudou para Barcelona tem fruído de diversas experiências, inclusive uma atividade recente nos Estados Unidos da América. De que se tratou?

Sim, estive recentemente no Cell Bio 2024 em San Diego, na Califórnia. Trata-se de uma reunião anual organizada pela Sociedade Americana de Biologia Celular, em parceria com a Organização Europeia de Biologia Molecular. Este evento é uma das principais conferências internacionais na área de biologia celular, juntando milhares de cientistas de todo o mundo, e uma oportunidade excelente para reunir com os meus colaboradores de Dallas, no Texas, e de San Diego. Estas experiências têm sido valiosas para continuar atualizada sobre os avanços mais recentes na ninha área de pesquisa e para estabelecer conexões com outros cientistas.

As Oficinas de Criatividade Himalaya (OCH) vão organizar em março um grande evento dedicado à ciência. Que comentários lhe merece esta iniciativa pioneira nos Arcos?

Esta iniciativa das OCH não me surpreende, considerando o trabalho notável que a equipa tem desenvolvido. Este espaço, importante veículo de cultura científica, tem sido exemplar na forma como junta ciência e sociedade, promovendo atividades didáticas e inspiradoras para todas as idades. Como arcuense, sinto um imenso orgulho em ver a minha terra natal na vanguarda de projetos vão inovadores. 

O evento de março representa uma oportunidade valiosa para aproximar a ciência do público geral, potencialmente despertando o interesse de jovens por carreiras científicas. 

Os portugueses têm a perceção de que é difícil fazer ciência em Portugal e que o país não consegue reter as melhores cabeças. O que pensa disso?

[…] Fazer ciência em Portugal é, de facto, muito difícil – o país parece não demonstrar um verdadeiro interesse em reter o talento que forma. Cruzei-me em Portugal com mentes brilhantes, mas muitas dessas pessoas acabaram por emigrar, não por escolha, mas por necessidade. Na minha área, há mesmo um número significativo de investigadores a trabalhar no estrangeiro, porque simplesmente não encontram condições competitivas em Portugal. 

Embora seja normal e até enriquecedor que cientistas passem períodos no exterior para ganhar experiência, o problema é que muitos não voltam, em virtude de os salários praticados em Portugal não serem atrativos e de todas as limitações quanto às oportunidades de progressão na carreira. 

Portugal tem talento e instituições capazes de competirem tecnicamente em termos internacionais, mas falta um compromisso sério com a ciência. É desolador pensar que muitos investigadores brilhantes poderiam estar a contribuir para o progresso do país, mas acabam por fazê-lo noutros lugares, onde o seu trabalho é mais reconhecido e valorizado.

 

Quem é Cláudia Fernandes de Brito

. Idade: 34

. Naturalidade: Aboim das Choças

. Habilitações académicas: Doutoramento

. Artigos publicados em revistas da especialidade: 14

. Lema de vida: Cada experiência de vida, uma aprendizagem.

Subscreva

- Never miss a story with notifications

- Gain full access to our premium content

- Browse free from up to 5 devices at once

Recentes