Em causa problemas de mobilidade “ignorados logo na inspeção” e “agravados com a exigência da vida militar”

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Ex-combatente de São Jorge não desiste de ser ressarcido dos “erros cometidos pelo Exército”

O arcuense Francisco de Freitas Machado não cala a revolta por o Exército Português não reconhecer a sua qualificação como “deficiente das Forças Armadas Portuguesas (FAP)” em virtude de a contestação do ramo terrestre das FAP “estar cheia de mentiras”. Por tal razão este antigo soldado (n.º 12880669) moveu uma ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que decidiu “não levar o processo a julgamento alegando provas não necessárias” e, nesta decorrência, não foram ouvidas as testemunhas do cidadão de São Jorge nem realizadas as perícias médicas para confirmar as incapacidades nos pés e joelhos. Sem resposta às várias diligências, o antigo combatente (entre maio de 1969 e julho de 1972) vê o processo arrastar-se há 11 anos nas secretarias do Exército, que, numa troca de correspondência em 2000, havia reconhecido “a existência nos documentos de matrícula de um processo por desastre em serviço”, mas cuja “revisão de processo” nunca encetou, apesar das solicitações do queixoso.

Francisco de Freitas Machado, de 77 anos, acusa o Exército Português de “não atender aos factos” e de juntar a isso “trapalhadas e mentiras”, afirmando que os problemas começaram bem cedo. Enquanto recruta, esteve uma “semana internado na enfermaria do Regimento de Infantaria 8 em Braga, no final de duas semanas de campo”, por manifesta “dificuldade em caminhar e saltar”. No fim da recruta, foi mobilizado para Moçambique (Tete) e daí seria transferido para o Batalhão de Caçadores Especiais em Chaves, treinado pelos Rangers de Lamego. “Foi uma instrução muito dura de noite e de dia, eu não aguentava com tantas dores nos meus pés e joelhos, e também nos ouvidos. […] No último dia da especialidade, por ordens do comandante de Batalhão e Médico, fui obrigado a baixar ao Hospital Militar do Porto”, conta Freitas Machado que “também esteve internado em Coimbra por dificuldade em caminhar com dores nos pés e joelhos”.

O antigo combatente alega que a contestação do Exército está “cheia de trapalhadas”, que Francisco desmonta com provas documentais. “Em Angola nunca exerci as funções de padeiro, era, sim, responsável pelo bar de oficiais do Batalhão de Intendência de Angola (BIA) […]. Constantemente estava de serviço de sentinela aos paióis do Campo Militar do Grafanil, área altamente perigosa; também fazia sentinelas à vedação de Luanda das 19h00 às 7h00, que ficava a 17 km de Luanda, e não em Luanda”, sustenta Francisco de Freitas Machado, que foi agraciado com uma Medalha Comemorativa das Campanhas de Angola. 

Os problemas auditivos, segundo o queixoso, resultam do facto de “ter estado muitos dias a dar fogo quando tirei a especialidade de caçadores especiais” e de terem rebentado bombas de alta potência, “quando estava em missão de sentinela aos paióis do Campo Militar do Grafanil”, por consequência, ainda hoje, diz “ficar traumatizado com barulhos”. 

A isso acresce o “acidente do corte do dedo na Manutenção Militar de Coimbra quando a guilhotina da máquina de cortar (a massa), pesar e enrolar o pão decepou parte do meu terceiro dedo da mão direita que ficou preso por uma pele; desse acidente fiquei com bastante rigidez e sequelas, pois, ao contrário do que dizem os senhores do Exército, não foi um simples rasgão”, advoga Francisco de Freitas Machado, autor do volume autobiográfico A minha vida dava um livro

 

“Os 1154 dias de vida militar agravaram deficiência”

Segundo Freitas Machado, os problemas de mobilidade (pés chatos e perna esquerda mais curta) foram “ignorados logo na inspeção” e, resultado disso, foi “admitido na tropa”, mas a deficiência “agravou-se com a exigência da vida militar”.

O ex-soldado (e antigo emigrante no Canadá) quer ser ressarcido dos “erros cometidos pelo Exército” desde há muitos anos. “A quem de direito quero lembrar que os pés chatos e uma perna mais curta durante os 1154 dias da minha vida militar me deixaram traumatizado para o resto da minha vida, isto já para não falar dos muitos internamentos, sempre pela mesma razão”, defende-se o ex-combatente que critica o Exército por “não responder ao pedido de informações do Ministério da Defesa”, segundo as interações que Francisco de Freitas Machado manteve com o “secretário do ministro da Defesa, Nuno Melo”.

Inconformado, o antigo soldado solicitou a submissão a uma nova Junta Médica, tendo enviado requerimento e diversa informação clínica para o Exército Português. Ao pedido, a Direção de Administração de Recursos Humanos, através da Divisão de Pessoal Fora da Efetividade de Serviço, comunicou, a 8 de agosto de 2023, a “existência já de um processo por acidente/doença a decorrer os seus trâmites nas instâncias judiciais”, pelo que “o requerimento e os anexos foram arquivados”, sob pretexto de “não se afigurar possível a revisão de processo por acidente/doença, ou uma nova Junta Médica, por ainda estar pendente o referido processo” em sede de Justiça, só que o ato dirimido em tribunal terminara a 21 de abril de 2021, ou seja, há mais de dois anos, isto num processo em que Francisco de Freitas Machado afirma “ter sido burlado por uma advogada da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra”. 

Não obstante o equívoco do Exército, este “não tem mostrado qualquer recetividade para reabrir o processo”, apesar de o queixoso garantir “ter todas as provas necessárias para testemunhar” da sua razão, nomeadamente “relatórios médicos, exames médicos e quatro testemunhas credíveis e abonatórias, que comprovam a verdade” dos factos relatados nos ofícios.

 

CGA nega pedido de “invalidez”

Noutro plano, o requerimento endossado à Caixa Geral de Aposentações (CGA), para “efeitos de invalidez por acidente/doença em serviço”, foi indeferido, tendo por base o “parecer emitido pelos Serviços competentes do respetivo ramo das Forças Armadas”, segundo os quais “a patologia de que sofre o ex-soldado NIM [Número de Identificação Militar] 12880669 não tem relação com o cumprimento do serviço militar”.

 

Relatório médico atesta “nexo de causalidade entre quadro clínico e crises inflamatórias”

Esta versão é, porém, contraditada por Relatório do médico Mário Vianna, segundo o qual “há um nexo de causalidade entre o quadro clínico – dores intensas nos joelhos, pés e ouvidos, com diminuição da audição – e as crises inflamatórias osteoarticulares e otalgias com redução da audição bilateral de que [Francisco de Freitas Machado] padeceu durante o serviço militar. [Por tal motivo], necessita de tratamento médico com AINE [anti-inflamatórios não esteroides], analgésicos e fisioterapia”. 

A.F.B.