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Quarta-feira, Março 12, 2025
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O “Barreiras”, um guardador de tradições

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A vida está repleta de histórias que moldam as pessoas, as famílias e os seus descendentes. É no coração do Alto Minho, Arcos de Valdevez, que existe um povo com um conjunto de patrimónios preservados e valorizados através de aldeias que estão abraçadas por montanhas esculpidas durante séculos e cercadas por socalcos que criam encostas construídas para a produção essencial de milho, feijão, batata e vinho. 

Na era dessas construções, o povo aprendeu a moldar a natureza sem feri-la, adaptando-se aos desafios do terreno e do clima, desenvolvendo formas de ocupação, permitindo o respeito pelos ecossistemas. Desta forma, garantiu a preservação de um património natural que, atualmente, se denomina de PNPG e de Reserva Mundial da Biosfera.

Posteriormente, foi neste mosaico único, entre a natureza e a cultura, que, através da criação destes socalcos, nasceu a exploração da terra para obter o alimento de subsistência, lugares de cultivo que transpareciam ser altares sagrados onde o passado e o presente conviviam. Cada parcela de terreno não podia ser desperdiçada, graças ao aproveitamento das pequenas áreas de terreno para o cultivo do milho, principal alimento do povo. As videiras tinham de ser plantadas nas beiras dos terrenos, em pequenos recantos como em latas (ramadas) onde a vinha fixada nas paredes das casas elevava uma tipologia própria das características das casas do Alto Minho cercadas pela sua vegetação que proporcionava a melhor sombra nos dias de calor e a melhor atmosfera para um pátio com o cheiro perfumado emitido pela casta. 

Numa serena aldeia junto à mata do Ramiscal, aninhada num vale profundo e inserida na área classificada como zona integral, vivia uma família humilde, trabalhadora e unida, conhecida como “Os Barreiras”. Esta alcunha foi legada pelo patriarca da casa, o avô da família, cuja figura era inesquecível: um homem de chapéu, montado num cavalo, percorrendo a serra enquanto cuidava do gado. Uma família de forte tradição religiosa, devota a São Bento do Cando e a Nossa Senhora da Peneda, composta por um casal e oito filhos.

Entre eles, destacava-se António, um dos mais novos, um menino de coração puro e olhar ternurento. António tinha uma ligação especial com a mãe, sentando-se sempre ao seu lado junto à lareira, onde ouvia atentamente os conselhos sábios do pai. Os ensinamentos sobre a vida, o trabalho árduo no campo e o respeito pelas tradições moldaram o seu caráter desde cedo.

Apesar das dificuldades da época, António teve uma infância feliz, rodeado pelo calor do amor familiar, que ele admirava profundamente. Os tempos eram duros para os padrões atuais, mas considerados normais naquela altura. Desde tenra idade, aprendia-se a manejar a enxada, a acompanhar o gado pelos caminhos sinuosos da serra e a trilhar as calçadas moldadas pelo tempo, repletas de lendas.

No lar familiar, o conforto vinha das refeições modestas e tradicionais. À lareira, fervia um pote de ferro com o famoso caldo de farinha, uma sopa feita de farinha de milho, feijão e couves. Não faltava a broa de milho, que, ao sair quente do forno, era servida numa malga com vinho. Esses pratos simples refletiam os alimentos de base da época: milho, feijão, hortaliças e o indispensável vinho.

António tinha orgulho em ser chamado de “Barreiras”, pois esta alcunha simbolizava a pertença a uma família cujos valores, tradições e costumes marcaram profundamente a sua vida. Mesmo na idade adulta, carregava consigo as memórias de uma infância dura, mas repleta de carinho e ensinamentos que o moldaram como homem.

Entre as tradições que António cultivava com apreço estava a produção de vinho verde, o terroir do Alto Minho. Este néctar, juntamente com a agricultura de subsistência, era tanto um meio de sustento como um testemunho da sabedoria ancestral dos agricultores minhotos. O vinho verde, joia da gastronomia portuguesa, carrega consigo história, tradição e a íntima conexão entre o Homem e a terra. A preservação destas tradições vai além do simples ato de produzir e consumir. Ela reforça a importância de projetos comunitários em torno do vinho verde e da diversidade das suas castas, promovendo a resiliência das vinhas e a manutenção dos socalcos. 

Como António, acredito que todos nós, arcuenses, partilhamos um vínculo profundo e um amor genuíno pela nossa terra e pelas tradições que nos definem.

 Até sempre, meu Barreiras.

Sandrina Parga (Cabreiro)

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