O Ministério Público tem em sua posse uma queixa contra a tesoureira da Junta de Freguesia de Soajo, eleita nas listas do PSD, alegadamente por “recebimento indevido de dinheiro” por cargo (regime de meio tempo) que nunca chegou a desempenhar.
A visada terá recebido, durante oito meses, entre maio e dezembro de 2022, uma remuneração “indevida”, apesar de nunca ter prestado serviço a meio tempo, como reconhece o próprio executivo da Junta de Soajo.
Segundo advogado contactado por este jornal, tal comportamento prefigura o “crime de peculato”.
Polémica estalou na Assembleia de Freguesia
Em Assembleia de Freguesia de Soajo, realizada a 27 de junho de 2023, a oposição solicitou “esclarecimentos” em relação ao regime de meio tempo. “Qual foi o período em que esse regime vigorou, porque é que a função não foi exercida, quem recebeu os valores, quanto foi o valor recebido e quais são as consequências políticas que a Junta retira relativamente a esta trapalhada?”, questionaram os vogais do PS, acrescentando “ser triste constatar que um elemento da Junta mentiu a esta Assembleia, não acreditamos que o tenha feito de modo intencional, mas por desconhecimento”.
Em resposta, o secretário da Junta explicou que, acerca da polémica levantada, “o executivo fez o pedido para que a tesoureira fosse abrangida por este regime (prevendo 600 euros por mês), entretanto, a Jaqueline Fidalgo falou com a patroa e ambas chegaram à conclusão de que não seria possível aceitar o cargo a meio tempo na Junta. Em consequência, a Jaqueline solicitou ao contabilista o cancelamento do meio tempo. Era esta a informação que eu tinha na reunião anterior. Mas, segundo o contabilista, à luz da lei, este regime de meio tempo não pode ser cancelado a qualquer altura, o período de vigência decorre sempre até 31 de dezembro do respetivo ano civil (neste caso, 2022), ou seja, a Jaqueline continuou a receber este dinheiro durante mais alguns meses, porque o contrato não podia caducar antes desse prazo. Chegados aqui, reconheço que, na última reunião, dei uma informação errada, não pretendia mentir, por isso, estou, aqui, hoje [27 de junho de 2022], para retificar a informação que não estava correta”, penitenciou-se Ivo Baptista.
Na contra-argumentação, a oposição sublinhou que “a falha de maior gravidade, no meio disto tudo, é que a função em causa não foi cumprida entre maio e agosto (até dezembro, inclusive), período durante o qual este serviço, apesar de remunerado, não foi colocado à disposição dos fregueses. Perante os factos, e não tendo a função sido cumprida, há o cometimento de peculato, porque houve recebimento indevido por um cargo não desempenhado. Por outro lado, noto que o executivo não informou esta Assembleia de que o regime de meio tempo na prática não existiu durante oito meses, mas o mesmo vigorou na teoria e em termos contabilísticos. Ou seja, há aqui uma omissão em relação à forma como o meio tempo foi cumprido. Daí as perguntas: onde está o valor e que destino vai ser dado a esse dinheiro que foi recebido por um serviço que não foi prestado?”, perguntou o PS.
O secretário da Junta defendeu-se das acusações feitas sobre a polémica de momento. “Nós não omitimos nada! Se essa informação não foi prestada, foi porque ninguém nos questionou sobre isso. […] Acrescento que o valor que a tesoureira da Junta recebeu durante meses não foi um valor líquido, ela teve de declarar o dinheiro e pagar x todos os meses à Segurança Social, além disso, a remuneração foi englobada no IRS – a Jaqueline teve de pagar uma paulada de IRS do bolso dela”, contra-argumentou Ivo Baptista, sugerindo que a oposição movesse, caso fosse esse o entendimento, uma “queixa na esquadra da GNR dos Arcos”.
Apesar de fortemente visada, Jaqueline Fidalgo remeteu-se sempre ao silêncio nas últimas assembleias de freguesia.