Estamos hoje [27 de outubro] na Igreja da Misericórdia, para prestar a nossa homenagem e reconhecimento ao Dr. António Afonso Gonçalves Cacho e apresentar à sua família as nossas sentidas condolências e sentido pesar, nomeadamente à sua filha Dr.ª Maria de Fátima Esteves Gonçalves Cacho, ao seu genro Dr. Manuel Fernando Leal Nunes, ao seu neto, Dr. Pedro Cacho, às suas bisnetas, Luisinha e Francisca, às suas irmãs, Prof.ª Rosa Cacho e Prof.ª Celeste Cacho, e seus cunhados, Sr. Luís Guimarães e Prof. Rómulo Sousa.
O Dr. António Cacho nasceu no Brasil, na cidade de Belém, Estado do Pará, em 27 de fevereiro de 1927. País para o qual seus pais, oriundos de Sistelo, tinham emigrado, fixando-se na referida cidade. Ainda na infância vem para Arcos de Valdevez, passando a residir no Ribeirinho, freguesia de Parada, com a família. Fez os estudos liceais no Externato Arcuense e o 7.º ano de Letras no liceu de Braga. Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde se licenciou, tendo sido obrigado a interromper os estudos universitários para prestar serviço militar, onde foi incorporado como miliciano, concluindo o seu percurso militar como Tenente de Infantaria. Como estudante universitário integrou o Orfeão Académico de Coimbra. Ingressou no Ministério Público nas comarcas de Arcos de Valdevez, como subdelegado do Procurador da República, e em Tavira, como delegado interino do Procurador da República. Exerceu, igualmente, as funções de docente, entre 1956 e 1965, no Externato Municipal Arcuense, tendo lecionado as disciplinas de Português, Matemática e História. Durante mais de 50 anos exerceu a advocacia, entre 1956 e 2007, sempre com o reconhecimento de todos os operadores judiciários pela sua elevada conduta no respeito pelos valores deontológicos no exercício da advocacia. Era um dos advogados mais conceituados e prestigiados da Comarca de Arcos de Valdevez, tendo o seu escritório acolhido muitos jovens estagiários. No dia 4 de junho de 1972, na qualidade de delegado da Ordem dos Advogados, discursa na cerimónia de inauguração do novo Tribunal de Arcos de Valdevez.
O Dr. António Cacho era um homem que partilhava os valores de esquerda. Defensor da liberdade, da democracia do pluralismo e do respeito pelos direitos humanos. A sua paixão pela democracia floresce no Estado Novo onde participou em reuniões da oposição democrática, tendo colaborado com as campanhas da oposição nas candidaturas à Presidência da República do General Norton de Matos e do General Humberto Delgado. É apoiante das Listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática às eleições legislativas de 1969. Em 1973, participa no 3.º Congresso da Oposição Democrática que decorreu de 4 a 8 de abril em Aveiro. A 1 de Maio de 1974, nas comemorações do Dia do Trabalhador, discursou da varanda dos Paços do Concelho perante a população que enchia a Praça Municipal, elogiando os valores de Abril e evidenciando a importância dos trabalhadores no processo democrático. Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, o Dr. António Cacho teve uma intervenção política ativa, integrando entre maio de 1974 e janeiro 1976 as Comissões Administrativas que governaram o Município até às primeiras eleições autárquicas de 1976. Neste ano lidera a lista do Partido Socialista à Câmara Municipal, vindo a ser eleito vereador, assumindo o Pelouro da Cultura. O mandato da Câmara Municipal que integra será marcado pelo protocolo assinado com o Ministério da Saúde que possibilitará a construção do Centro de Saúde de Arcos de Valdevez, integrando o Serviço Nacional de Saúde, que disponibilizará cuidados primários de saúde à população de Arcos de Valdevez com evidentes ganhos de saúde. O Dr. António Cacho participou ativamente neste processo, conjuntamente com a Presidência da Câmara, nomeadamente no ato da assinatura.
Após Abril de 74 foi apoiante das candidaturas à Presidência da República do General Ramalho Eanes, do Dr. Salgado Zenha, do Dr. Mário Soares e do Dr. Jorge Sampaio, mantendo a coerência no seu posicionamento político de esquerda.
A partir de 1989 o Dr. António Cacho dedica uma maior atenção à escrita, começando a publicar os seus textos, maioritariamente de poesia, em edições de autor, tendo publicado 16 livros, sendo o último em 2023 dedicado a uma figura arcuense a “Tia Mariana”. Igualmente, publicou com regularidade crónicas no jornal Notícias dos Arcos e colaborou com o Grupo de Estudos do Património Arcuense que esteve na génese do trabalho de investigação e posterior publicação das Casas Armoriadas, projeto que o Município deu continuidade e ampliou com o Congresso da “Casa Nobre”. Foi presidente do Centro Cultural Teixeira de Queiroz e membro da Associação Jurídica de Braga.
A obra poética do Dr. António Cacho é diversificada, refletindo um homem culto, sensível, com personalidade vincada. As Terras de Valdevez estão sempre presentes na sua obra, tendo-lhes mesmo dedicado o livro Cantar Valdevez, onde percorre com a sua poesia as 51 freguesias do concelho. A poesia do Dr. António Cacho está inscrita em espaços públicos do município, como património dos arcuenses, que devemos preservar, valorizar e divulgar pela sua dimensão nacional. O património, que representa o legado dos valores que nortearam a sua vida cívica, política e profissional, deve orgulhar a família e todos os arcuenses. A sua obra poética é um património intemporal que reflete a paixão e amor do Dr. António Cacho por Arcos de Valdevez e o seu encanto pelo Rio Vez. No livro intitulado Pingos da Chuva, o Dr. António Cacho deixa-nos o seu sentir sobre Arcos de Valdevez, sua terra, com o poema:
Valdevez
É tão verde a minha terra,
É tão verde, tão verdinha,
Com o Vez em pé de guerra,
Quando digo que é só minha.
Minha pátria é Valdevez,
Que a tenho cá no fundo.
Tão bela que quem a fez
Outra igual não fez no mundo.
Valdevez: ninho verde,
Onde sonha um rio.
No seu livro Barco sem Cais, com uma pintura na capa de sua mulher, Dr.ª Nair Cacho, o Dr. António Cacho escreveu o poema intitulado Sempre, onde nos transmite o seu sentir sobre o rio, o sol, o ouro, o amor, o ódio, a vida e a morte:
Sempre
Sempre
O rio há-de correr prá sua foz.
Doando à voz do mar a sua voz.
Sempre
O sol há-de nascer pra todo o mundo.
Tornando o coração bem mais fecundo.
Sempre
O outo há-de tentar a cupidez.
Calando a consciência tanta vez.
Sempre
O amor há-de gerar real ciúme.
Refinando na ardência desse lume.
Sempre
O ódio há-de esmagar a tolerância.
Fazendo até da guerra militância.
Sempre
A vida há-de ser ganha com ardor.
Teimando numa luta sem temor.
Sempre
A morte há-de vencer em seu mistério.
Provando com a cruz no cemitério.
Despedimo-nos de um homem culto, com valores que nas letras enalteceu a sua terra e a cultura arcuense. A sua partida deixa Arcos de Valdevez mais pobre e o Vez mais triste pela perda de uns seus maiores amantes. Perdurará a sua memória, os seus poemas, expressando o seu amor pelas Terras de Valdevez.
Um até sempre e que a poesia proporcione novos reencontros, sempre.
Francisco Rodrigues de Araújo