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A Ingratidão

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Ora aqui está um tema que representa uma nota negativa na nossa sociedade e que é mais frequente do que se julga.

Pois é: quando uma pessoa faz bem a outra, actua movida por um impulso da boa formação do seu carácter.

E fá-lo na convicção, ou pelo menos na expectativa, de vir a ser correspondida com uma postura de agradecimento da beneficiada.

Mas quando sucede que tal efeito não se concretiza, significa então que esta revela, com essa omissão, que tem um carácter mal formado.

Ou seja, em suma, que ela está a praticar uma ingratidão, da qual resulta, sem dúvida, uma sensação dolorosa na consciência da benfeitora.

Acompanhada, quase sempre, de um amargo arrependimento, que pode até funcionar no sentido da adopção, para o futuro, de uma atitude de neutralidade no plano humanitário.

Estas congeminações foram-me sugeridas por uma estimada leitora, que me abordou simpaticamente, para exalar o seu justificado protesto contra o imprevisto comportamento de um ingrato, a quem ela tinha cumulado de benesses…

Na eventualidade, procurei, com calma e paciência, deitar alguma água na fervura, fazendo-lhe ver que neste mundo é tudo relativo, tanto assim que o seu caso, bem ponderado, ficava bastante aquém de muitos outros, em que a vida infelizmente é fértil, e que ainda povoam, pela sua gravidade e extensão, a nossa memória colectiva.

Assim, lembrei-lhe, a propósito, e para a impressionar, os exemplos dos saneamentos selvagens que deflagraram em tempos que ela também conheceu, e cuja mola propulsora foi, em tantos casos, a ingratidão.

E recordei-lhe ainda, por me parecer extremamente sintomática, uma outra conjuntura, de que tive conhecimento, ditada também por um porte ingrato, deveras condenável.

Tratou-se, explicando, de um filho, que chegou a tirar um curso superior, à custa de ingentes sacrifícios dos seus pais, e que depois, bem instalado na prosperidade material e social da vida, foi capaz de nada fazer para lhes evitar o plano inclinado em que caíram, de carências à penúria…

Muitas mais situações, com assento na realidade, eu poderia projectar para aplacar a exaltada indignação da minha interlocutora, mas não foi fácil obstar a que do seu íntimo obsessivo ainda rebentassem mais alguns gritos de lastimosa mágoa: – “Ingrato! Ingrato!”

Conceda-me, porém, minha atenciosa amiga (deixe-me tratá-la assim, sim?), a quem deve, por aquela sua sugestão, a presente crónica, que eu lhe pague tal dívida (como eu sou grato!) com um alvitre, que nada tem, creia, de recado moralista.

Não. Simplesmente lhe apeteço, com a minha interessada afeição, e como chave deste sentido arrazoado, que, sempre que possa, não deixe de fazer o bem, sem olhar a quem, como sói dizer-se.

Quanto mais não seja, afinal, com a certeza de um ganho, que lhe será fielmente creditado na conta-corrente da sua vida: – o merecido enriquecimento da sua alma…

Está bem?

Crónica extraída do livro Arco-da-Vellha (2009)

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