Há passeios com o condão de deixar uma marca para a vida toda. A viagem que um casal de neerlandeses realizou ao “coração” do único Parque Nacional cabe num baú (de memórias) que nem o tempo consegue ofuscar ou desvanecer.
Foi há mais de 23 anos, estávamos no verão de 2001. Jacob Albronda e Lia Broekhuizen, da pequena cidade de Uffelte (à época com menos de mil habitantes), vieram passear de autocarro a Soajo, na companhia de outro casal amigo, e, no Largo do Eiró, encontraram vários cães a vaguear. Um deles, rafeiro, “colou-se desde logo a eles”, conta o soajeiro David Neto.
Na breve passagem por um dos ex-líbris de Soajo, o casal comeu “alguma coisa no terraço de um restaurante”, recorda Lia Broekhuizen, e “deu uma ‘bucha’ à Kika, animal que nunca mais largou o simpático casal”, acrescenta David Neto. Seguiu-se uma caminhada (com botas de montanha, saco de dormir, comida…) rumo à Peneda, na companhia do “melhor amigo do Homem”, que, apesar de ter desaparecido algumas vezes, retomou imediatamente o grupo onde Lia e Jacob seguiam.
Mal chegados ao santuário de Nossa Senhora da Peneda, Jacob e Lia tentaram “livrar-se” da Kika e, por isso, entraram no templo (repleto de peregrinos) e dispersaram-se rapidamente pela porta à direita do altar, mas, surpresa das surpresas, “o cão aparece posteriormente na montanha onde estavam a instalar a tenda”, conta Lia.
O casal, sensibilizado, alimentou o “abençoado” cão nessa noite e para o outro dia o canino teimava em acompanhar o passeio a pé de Jacob e Lia, desta vez com destino a Castro Laboreiro.
Quando chegaram a esta vila do concelho de Melgaço, os neerlandeses foram degustar a boa comida minhota num restaurante local e deixaram o cão fora do estabelecimento. Só que Lia, numa incursão pelo exterior do espaço, vê o animal dar mais uma prova de resistência e, sensibilizada, dá comida ao cão. Entretanto, Jacob e Lia decidem pernoitar em Castro Laboreiro e o cão continuou persistentemente junto à tenda.
Com tantas (e tamanhas) manifestações de afeto, este casal, sem filhos, procurou ajuda para adotar o cão e com isso deu início a uma história incrivelmente bem-sucedida e feliz. Em Melgaço, encontrou, por fim, a ajuda necessária, junto de Armandino, empregado de mesa, e de Maria João Cerdeira, veterinária, que vacinou o animal e tratou logo de toda a parte burocrática. Com a documentação em ordem, o cão foi levado, de avião, para os Países Baixos, onde o animal – apesar de alguns eventos violentos nos primeiros tempos (ataques a humanos e a galináceos) – encontrou um “porto de abrigo”.
Regresso aos mesmos lugares 14 anos depois
Com o intuito de “revisitar” o passado, Jacob, Lia e Kika voltaram em 2015 a Soajo e repetiram o roteiro. Passaram pelos mesmos lugares e reencontraram algumas das pessoas com quem se haviam cruzado em 2001. Mas Jacob, antigo dentista, e o cão, desta vez, fizeram o “trilho” de autocaravana, enquanto Lia, professora de Francês aposentada, seguiu de bicicleta rumo à Peneda e a Castro Laboreiro.
“Os soajeiros podem sentir-se orgulhosos desta maravilhosa Terra, com belas montanhas e com caminhos asseados”, elogiou Lia, que, tal como Jacob, ficou rendida à autenticidade das gentes e aos recantos do Parque Nacional.
A.F.B.