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Estudo da Ponte Medieval de Cabreiro: inscrições e descrição física do monumento

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A ponte de Cabreiro, recém-classificada como Monumento de Interesse Público, deve, em parte, o seu novo estatuto às fundamentações do arqueólogo e historiador José da Silva Ferreira (JdSF), que na monografia A PONTE MEDIEVAL DE CABREIRO (Arcos de Valdevez) descreve o resultado da aturada investigação que fez acerca do monumento. O trabalho saído em 1986, ano em que se completavam cinquenta anos sobre a morte de Félix Alves Pereira (FAP), foi dedicado justamente ao famoso arqueólogo arcuense nascido em 1865 e falecido em 1936 (em Sintra).

“Apesar de pouco tempo ter vivido em Arcos de Valdevez após a licenciatura em Direito, FAP mostrou sempre um profundo interesse por tudo quanto dizia respeito à região. Este apego manifestou-se quer nos muitos escritos etnográficos, históricos e arqueológicos que dedicou ao Alto Minho, quer na imensa colaboração em jornais e outras publicações regionais onde fez a divulgação e a defesa do seu património cultural […]. Da leitura da sua obra, […] ficou-nos a imagem de um homem inteligente e probo, trabalhador incansável e minucioso, artista hábil e escritor primoroso, apaixonadamente dedicado à Arqueologia, apesar das injustiças e dos desgostos sofridos. A sua obra, vastíssima e multifacetada, reflecte na sua dispersão e na qualidade variável dos trabalhos o que era um arqueólogo notável no seu tempo. E [FAP] foi um dos maiores”, diz dele JdSF.

 

Fidalgo minhoto de ascendência galega na génese da Ponte Medieval

“À construção da ponte de Cabreiro liga-se a figura de Leonel de Lima, fidalgo minhoto de ascendência galega, nascido em 1403, filho de Fernão Eanes de Limia. A este fiel servidor doou D. João I, em 1398, a casa de Giela com suas pertenças e ainda a jurisdição cível e criminal das Terras de Valdevez, para no ano seguinte lhe conceder várias terras, entre elas a de Valdevez”, lembra JdSF, cuja leitura do estudo de FAP sobre pontes medievais de Arcos de Valdevez o motivou a uma visita a tais monumentos. 

“O acaso fez com que na face jusante da ponte de Cabreiro caísse sob os nossos olhos uma aduela do arco menor, quase totalmente coberta de vegetação, mas mostrando ainda letras inscritas. A limpeza desta área revelou uma epígrafe que supomos inédita”, conta JdSF no estudo monográfico.

Sobejaram, pois, boas razões para JdSF empreender o estudo. “A ponte de Cabreiro, de porte modesto, já era interessante pela monumental inscrição gótica que o estudioso arcuense [FAP] descreveu, mas o achado de uma segunda inscrição, a importante personalidade política do patrocinador da sua construção, D. Leonel de Lima, e ainda o facto de se cumprir este ano [1986] meio século sobre a morte de FAP, motivaram-nos para este trabalho”, contextualiza o também médico.

Significado das inscrições

Segundo JdSF, “as inscrições são comemorativas do mesmo facto: a construção da ponte. Como explicar a repetição de legendas? É óbvio que não foi o seu conteúdo que obrigou à duplicação. Somos de parecer que a primeira epígrafe a ser inscrita foi a da aduela, pois, aparentemente, não teria cabimento executá-la depois da outra monumental inscrição e, por outro lado, é de crer que ela foi feita antes da colocação da aduela no seu lugar, tão dificilmente acessível para uma execução a posteriori”. 

“A grande diferença entre as duas inscrições reside na modéstia de uma e na monumentalidade de outra”, compara JdSF.

“Se juntarmos este facto à suposição anterior e nos lembrarmos da personalidade de Leonel de Lima, poderemos sugerir que foi esta a razão da feitura da imponente inscrição sob o arco menor, agora à altura do poder e da importância do Senhor das Terras de Valdevez”. 

Nas palavras de JdSF, “a inscrição da aduela, apesar de modesta, é importante por permitir datar com exatidão a construção da ponte. E fá-lo de uma forma pouco comum, recorrendo simultaneamente ao extenso, a barras verticais e ao número arábico. Fica-nos a dúvida sobre o significado a atribuir à letra que segue a data”, observa o estudioso. 

Apesar disso, “ficamos a saber que a ponte de Cabreiro foi construída no ano de 1462, no reinado de D. Afonso V, precisando, deste modo, a datação que FAP lhe tinha atribuído pela análise paleográfica e histórica da inscrição por ele descrita […]. Nesta epígrafe a data devia preceder o texto, mas não foi completada por razões que não descortinamos”.

“Ao dar notícia que um frade-arquitecto do convento de S. Domingos de Tui colaborou com o abade de Cabreiro, Afonso Anes, na construção da ponte, as inscrições sublinham o carácter pio destas obras públicas e a importante acção da Igreja neste domínio; também assinalam o suporte político e económico que Leonel de Lima certamente concedeu; chamam ainda a atenção para as estreitas relações culturais e económicas entre as margens do rio Minho que a visita efectuada por D. Afonso V, nesse ano de 1462, veio incentivar através de um conjunto de medidas então tomadas. Pelo itinerário seguido pelo jovem monarca é possível que tenha podido admirar a recém-construída ponte de Cabreiro”.

 

Descrição material da ponte

Um outro ponto de investigação de JdSF, a par das inscrições, prende-se com a caracterização física do monumento. 

“Esta ponte sobre o rio Cabreiro, afluente da margem esquerda do rio Vez, liga os lugares da Igreja e da Sobreira, da freguesia de Cabreiro. […] Apresenta dois arcos desiguais, tendo o maior, de volta redonda, 8,8 m de diâmetro, e o menor, de forma ogival, 3,75 m de abertura. Apenas no intradorso do arco maior tem siglas lapidares”, sublinha JdSF.

“As aduelas dos arcos, 50 no maior e 21 no menor, em forma de prisma trapezoidal, têm de dimensões médias: altura do prisma, 0,90 m; na base, mediana 0,65 m e altura 0,32 m”.

“No arco maior existem em cada lado oito poisos, dispostos em duas linhas de quatro, cavados na terceira e quinta fiada das aduelas, a contar do arranque do arco. Estas cavidades, em forma de prisma triangular de face lateral maior encurvada ou em estribo, têm, de dimensões médias de abertura, 0,20×0,26 m, e de profundidade 0,16 m”.

“A um pegão central de secção quase quadrada […], apoiado na sólida massa rochosa que emerge do leito do rio, adossam-se dois talhamares; o de montante, em forma de prisma triangular […]; o de jusante, em forma de prisma rectangular deitado […], e, da sua face superior plano, desce-se até à superfície rochosa de apoio através de cinco fiadas de silhares […], dispostas em degrau, excepto as duas inferiores”.

“O tabuleiro da ponte tem cerca de 28 m de comprimentos e 3,7 m de largura média, correndo horizontal desde a margem esquerda até ao pegão e descendo desde aí até à outra margem, com uma inclinação de aproximadamente 20º, para vencer o acentuado desnível entre as duas margens. As guardas do tabuleiro […] são constituídas por uma ou duas fiadas de pedras, com a sua maior dimensão, respectivamente, vertical ou horizontal, segundo as necessidades de segurança deste muro. Ao longo do parapeito há diversos cruciformes”.

“O material da ponte é exclusivamente granítico, de grão fino, de duas micas, proveniente da região e talvez do próprio local da sua implantação. As pedras das guardas e as das aduelas apresentam-se bem aparelhadas, mas o paramento dos muros, em fiadas irregulares assentes sem argamassa e sem cunhas, tem um acabamento menos perfeito”.

“No seu conjunto, o monumento é equilibrado e a vegetação que o cobre – apesar de tornar o seu estudo mais difícil – insere-o harmoniosamente na paisagem”, lê-se no trabalho monográfico de JdSF. 

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