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A leitura e visão fotográfica de “Ó gente da minha terra”, de Marta Alves, lembrou-me que conheci Prozelo há quase noventa anos e ainda conservo algumas recordações. Foi Marta Alves que as acordou… 

Camilo Pereira Sampaio foi, por amizade cuja origem desconheço, colaborador do benemérito José António Soares Pereira, emigrante no Brasil e natural de Prozelo. Na sua companhia, acompanhei desde os seis anos a construção do Lar Soares Pereira, cujo andamento da obra era relatado para o seu amigo. A obra foi executada pelo senhor Augusto Cristina, empreiteiro e maestro de uma banda de percussão composta, na sua maioria, por trabalhadores das suas obras.  Recordo – quando já teria cerca de nove anos – a cerimónia da inauguração, animada pela banda do senhor Cristina. Melhoramento social que tanto foi do agrado geral, bem como dos vinte idosos inicialmente nele instalados. A população da freguesia não tardou em chamar-lhe o “Asilo dos velhos”.

Camilo Pereira Sampaio acompanhou, também, a alteração da casa de férias do seu amigo, transformada para residência da professora e para Escola Primária, que não existia! Melhoramento que terá sido inicialmente indiferente aos habitantes, que viviam para o seu trabalho rural e não sentiam a sua falta!  O recrutamento de alunos não terá sido realmente fácil, sob o argumento de que não tinham precisado da escola para serem o que eram. Adesão que foi, porém, melhorando à medida que foram aparecendo as vantagens dos jovens escolarizados.  O benemérito impôs a condição de a professora ser vitalícia e escolheu para o cargo a filha do seu amigo, Camila Sampaio, que acabava de concluir o seu curso. Decisão respeitada até à sua reforma.

A Escola e a residência situavam-se no local de “Cimo de Vila” e ficava a uns dez minutos da estrada municipal.

O marido da professora, Abílio Rocha Gomes, exercia o cargo de escrivão de direito em Ponte da Barca, para onde, na companhia de um individuo local, o senhor Cristo, proprietário de um talho naquela Vila, partia todas as manhãs e regressava à noite. Sob pretexto de não ficar só, viviam com a professora dois sobrinhos que foram também alunos, deixando muitas amizades entre os colegas e a população em geral. O aluno mais destacado, o Zé da Silva, rapaz pobre com grande inteligência, haveria de, com esforço próprio e diversas ajudas, chegar a professor da Universidade de Sorbonne, em Paris, adotando, como poeta e ensaísta, o pseudónimo literário de José Terra.

O senhor Abílio da Rocha Gomes, que também era o comandante dos Bombeiros Voluntários de Arcos de Valdevez, não se deslocava para o seu emprego aos sábados (então, trabalhava-se aos sábados de manhã), para assumir, voluntariamente, a condução da aula de preparação física, que os alunos muito apreciavam. A carolice chegou ao ponto de organizar uma formatura dos alunos fardados, para participarem em paradas organizadas na Vila, chegando, por razão que desconheço, a exibirem-se na Foz do Douro. Realmente, Prozelo possuía o estabelecimento de ensino primário que levava mais a sério a preparação física dos alunos.  Atividade que muito contribuiu pra facilitar o recrutamento.  

Na estrada municipal circulava uma carreira entre Arcos de Valdevez e Monção. Saía à tarde de Arcos de Valdevez e regressava de Monção de manhã cedo. A paragem em Prozelo ficava junto a um estabelecimento comercial de um senhor chamado Albano, donde nasceu o nome do apeadeiro: “O Albano”. Era onde embarcavam e desembarcavam os passageiros e onde alguns residentes menos rurais conversavam e bebiam uns copos. Ficava um pouco à frente do “Asilo dos velhos”.

Mas, voltando à Escola, um dos sobrinhos do casal, o Camilo, esteve sempre muito próximo da população, com quem convivia quando a escola lhe permitia, com muita facilidade de fixar o nome dos seus interlocutores, que o ouviam com gosto sobre coisas que não conheciam. Não era raro dividir o seu lanche com o saco de um amigo que trabalhava de sol a sol, assim como muitas vezes compartilhava refeições em casas onde se sentia mais à-vontade. Era o “menino Camilinho”. 

Em Prozelo existia outra família de um emigrante que também tivera êxito, mas que falecera igualmente no Brasil: o senhor Cunha. Ficara a viúva, a dona Marieta, a gerir com muito êxito uma grande quinta junto da estrada, com gradeamento em ferro e largo acesso calcetado. A Dona Marieta obtinha dos trabalhos agrícolas em que surpreendia o rendimento para o sustento e educação dos seus cinco filhos (o Carlos, a Lourdes, a Marieta, o João e o Alcides). As duas filhas e o João morreram jovens, vítimas de tuberculose.

O Carlos Cunha, que, na altura, possuía o sétimo ano do liceu (quase um doutor para a época!), era bastante inteligente e culto. Porque se tinha desentendido com sua mãe, instalou-se, ele e a sua extensa biblioteca, num grande anexo, onde vivia e convivia.  Vivia de explicações a alunos do Externato Municipal da Vila, organizando, com participantes que escolhia, umas reuniões políticas para conversas sobre a ideologia marxista que, na qualidade de militante do Partido Comunista, professava. Procedimento que haveria de o levar à prisão política, criando também situações difíceis a alguns dos jovens que procurava “conquistar”…

Mas o Carlos era dotado de fraca personalidade. Acabou, depois de, estranhamente, se ter ausentado para Paris após o “25 de Abril”, por voltar para Portugal, com habilitações que lhe permitiram exercer professorado na Universidade do Minho, politicamente ligado ao partido democrático, o CDS, e escrevendo crónicas para um jornal do Minho, nas quais confessava saudades por uma mãe de quem tanto mal dizia em Prozelo. Teve uma relação com uma mulher de classe social inferior à sua, da qual nasceu uma filha.

Prozelo tinha raízes de usos e costumes rurais, mas era gente boa, agarrada à terra que cultivava e da qual se sustentava. Tenho conhecimento, agora e com muito gosto, que Prozelo progrediu de modo que tanto me surpreenderia se lá voltasse.

Rui Sampaio

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