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Semana da Leitura, Ciência e Arte “semeou escola de sonho”

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Sete dias à volta da leitura e da escrita, da ciência e da técnica, da arte e do sonho, da cultura e do conhecimento. Assim foi a Semana da Leitura, Ciência e Arte, evento que, de 16 a 22 de abril, consolidou o formato estreado há mais de uma década, levando um “mundo” a descobrir a diferentes unidades do Agrupamento de Escolas de Valdevez (AEV), à Epralima, à Casa das Artes e às Oficinas de Criatividade Himalaya. Do diversificado programa resultou uma troca intergeracional de experiências e uma rara interação entre diferentes públicos, permitindo entrecruzar momentos de leitura expressiva, escrita criativa, declamação de poesia, teatro, música, dança, desenho, pintura, inteligência artificial, encontros com escritores, palestras, oficinas, concursos (leitura, literatura e robótica), ciência e ecologia.

Para evocar a figura de Manuel António Gomes (padre Himalaya), tema-âncora do evento, o filósofo Jacinto Rodrigues, convidado de honra, proferiu a palestra “Padre Himalaya – Pioneiro da Ecologia”, tendo os alunos do secundário como público-alvo. O professor catedrático da Universidade do Porto, responsável pelo estudo e divulgação da vida e obra do padre Himalaya, inspirou-se no “pensamento global” do homenageado para lembrar os contributos do cientista de Cendufe, que surpreendeu o mundo por onde passou com propostas visionárias (aproveitamento da energia solar, invenção de explosivos, teorias de irrigação, reciclagem dos processos da natureza, luta contra a exclusão social).

“O padre Himalaya, um homem diferente, criativo e extraordinário, encarou a militância pela ecologia numa ótica social ampla, não esquecendo a atitude e o comportamento individuais, de modo a criar um mundo melhor”, disse Jacinto Rodrigues, que elogiou o AEV pelo exemplo que dá ao “colocar no centro das experiências pedagógicas a plantação de hortas e o desenvolvimento de um centro social (Escola Básica de Távora), estreitando, deste modo, a relação com a comunidade”.

“Ecologia deve ser a máxima preocupação de todos”

Segundo o conferencista, “a ecologia é a máxima preocupação que podemos ter, hoje, no mundo, pois, se não soubermos mudar a maneira de contactar com a natureza, estaremos perante um cataclismo cósmico”, alertou Jacinto Rodrigues, para quem o “terreno ecológico”, ou seja, a “relação direta da criança com a natureza”, só se cumprirá, como já preconizava o padre Himalaya, se houver uma “pedagogia direta dos espaços”, através da participação das crianças no paradigma ecológico, algo que, felizmente, já está muito presente no AEV”, congratulou o professor catedrático da Universidade do Porto, conhecido por “semear a escola de sonho” nas suas sábias exposições.

Mas o mundo vive “espartilhado” por tensões permanentes entre a “guerra” e a “paz”; a “competição” e a “igualdade de oportunidades”; o “global” e o “local”; o “ter” e o “ser”; o “material” e o “espiritual”; o “universal” e o “individual”; a “tradição” e a “modernidade”; a “norma” e a “subversão”. Ora, para responder aos desafios que se colocam à Humanidade, na linha do padre Himalaya, “é preciso, segundo Jacinto Rodrigues, resgatar a criatividade e o sonho, […] porque ‘o sonho é o fermento […] que comanda a vida’ e faz ‘o mundo pular e avançar’, como muito bem poetizou António Gedeão (Rómulo de Carvalho) no poema ‘Pedra Filosofal’, retratando, na perfeição e com a força da palavra, o sentimento que estava na alma do padre Himalaya”.

Sobre a vida e obra do padre Himalaya versou o projeto “Eu trago o fogo do sol”, uma dramatização bem conseguida dos alunos do Clube de Teatro (10.º F, 11.º C e 11.º D), do AEV, superiormente monitorizados pelo professor e dramaturgo José Barros, responsável pela encenação. Foi graças à visão ecológica e à invenção do pirelióforo que o padre-cientista conseguiu obter temperaturas na ordem dos 3500 graus Celsius, provocando a oxidação de nitrogénio a altas temperaturas. O famoso aparelho solar foi premiado na Exposição Universal de Saint Louis (Estados Unidos da América), em 1904.

Ainda à volta do padre Himalaya foram promovidas mostras temáticas, nomeadamente trabalhos/desenhos dos alunos de Artes na escola sede do AEV e a exposição “Eu trago o fogo do sol” no átrio da EPRALIMA, bem como ações de pintura de murais, também na escola profissional, sob coordenação dos professores Fernando Cerqueira e António Aguiar.

Demonstração de fornos solares artesanais

Precursor da utilização de energias renováveis, o padre Himalaya cedo viu no sol uma fonte de energia acessível a todos, com uma infinidade de usos. Partindo das ideias visionárias do cientista de Cendufe, e sob a coordenação do engenheiro eletrotécnico, Armando Herculano Ferreira, professor no Instituto Superior de Engenharia do Porto, e do professor João Dantas, no AEV, os alunos do curso Técnico de Mecatrónica Automóvel, do 10.º G e 11.º G, arquitetaram seis fogões solares “Girassol”, com os quais ficou provado que “é possível cozinhar sem gastar um cêntimo em energia”.

De acordo com Herculano Ferreira, “o fogão solar ‘Girassol’ é um modelo portátil, leve, resistente e de fácil conceção. É especialmente adequado para confecionar cozidos e estufados, sendo uma boa forma de aproveitamento da energia térmica do sol, de modo ambientalmente sustentável, não contribuindo para as emissões de gases de efeito de estufa”.

Segundo o fundador do Instituto Padre Himalaya, “o ‘Girassol’ usa uma estufa (bacia transparente coberta por um plástico) para armazenar a energia calorífica, promovendo o aquecimento do tacho que é colocado no seu interior”. A denominação de ‘Girassol’ resulta do facto de o fogão solar “estar sempre virado ao sol, a partir de ângulos otimizados, possibilitando que, ao longo de três horas e meia, tempo de coação dos alimentos mais difíceis, se consiga uma área de exposição ao sol constante, não precisando de ser reposicionado (seguir o sol) e atingindo temperaturas na ordem dos 150 graus Celsius, como aconteceu na tarde soalheira de 17 de abril”.

Armando Herculano Ferreira desenhou, originalmente, “o modelo para Timor-Leste, à época arrasado pela invasão da Indonésia, com o objetivo de permitir que os agricultores pudessem trabalhar nos campos de arroz sem necessidade de se preocuparem com a orientação do fogão”.

“Ler deve ser um prazer”

Nos encontros com o escritor e ilustrador Pedro Seromenho, em sessões muito descontraídas, ressaltou, do início ao fim, a ideia de que “ler deve ser sempre um prazer”. Na circunstância, os livros foram usados como “instrumento para desmistificar o autor” e o público infantil ficou contagiado com a “viagem repleta de histórias, ilustradas com desenhos, porque a imagem também é uma linguagem”, disse o também editor, que conseguiu levar as crianças do 1.º ciclo ao rubro com passagens humorísticas, extraídas da obra Porque é que os animais não conduzem?, um dos quase vinte títulos do autor nascido no Zimbabwe (ex-Rodésia do Sul) e que já tinha estado nos Arcos (Casa das Artes) há 14 anos, na altura para o lançamento da obra 900 – História de um Rei junto do público escolar.

Sendo a escrita um “exercício bastante difícil”, esta técnica, segundo Pedro Seromenho, exige “muito treino, leitura, observação, sonho e meditação, no fundo, é estarmos atentos a pequenos pormenores e, depois, deixar fluir a imaginação e a criatividade, até porque o imaginário infantojuvenil reclama sempre uma dimensão mais sensorial, para ver o mundo com os olhos de uma criança”.

“Escrita requer mais trabalho do que talento”

Também Raul Minh’alma, heterónimo de Pedro Miguel Queirós, difundiu uma mensagem de incentivo à leitura, agora centrada nas temáticas do “amor próprio” e do “respeito pelo outro”. “É para isso que me chamam à escola. Nas palestras que dou falo sempre da minha experiência e do meu percurso de vida para, de alguma forma, ser uma inspiração para os jovens”, atalhou o engenheiro mecânico de formação.

Estreou-se na escrita em 2011 e oito anos depois era o autor mais vendido em Portugal com o livro Foi sem querer que te quis. “Acho que as pessoas são cada vez mais abertas a estas temáticas de desenvolvimento pessoal. Sou um fã deste género literário, gosto muito de consumir e de aprender com os livros. Procuro, por isso, que os meus livros também ensinem alguma coisa e que ajudem os leitores em algum momento das suas vidas”, disse Raul Minh’Alma.

Para o jovem autor (de 30 anos), que já conta com oito livros publicados, “a escrita requer mais trabalho do que talento, como diz o velho ditado, é 90% de transpiração e 10% de inspiração. Podemos sempre ter um momento de inspiração, mas escrever um livro exige muito trabalho e muita força de vontade”, ressalva Raul Minh’alma, que tem no escritor canadiano Robin Sharma a sua maior referência.

Alunos da Escola Padre Himalaya venceram Concurso “Quintos Leitores”

A 12.ª edição do Concurso Concelhio de Leitura “Quintos Leitores”, que se realizou no dia 20 de abril, no auditório da Casa das Artes, consagrou como grande vencedora a aluna Constança Oliveira (fã do escritor David Walliams), seguida de Maria Fernandes (admiradora de Isabel Alçada) e Camila Dias (leitora de Luísa Ducla Soares), todas da turma 5.º F, da Escola Básica Padre Himalaya (Távora).

O Concurso, destinado aos alunos que frequentam o 5.º ano de escolaridade, incluiu teste de conhecimentos, leitura expressiva e exercício de criatividade (“Máquina do tempo”), tendo por mote o padre Himalaya. O júri foi constituído por Anabela Araújo, diretora do AEV, Catarina Viana, bibliotecária responsável pela Biblioteca Municipal Tomaz de Figueiredo, e Emília Cerdeira, vereadora da Educação.

Os momentos musicais que abrilhantaram o concurso foram apresentados pelos alunos do 5.º e 6.º anos, sob direção das professoras de Educação Musical, Helena Silva e Lindiva Pereira.

A apresentação esteve a cargo da professora bibliotecária Margarida Dias e na logística estiveram alunos do 9.º ano.

Histórias contadas com deleite

Fazendo jus “à importância da leitura em todas as artes e áreas do saber” – “a própria arte é uma leitura e uma interpretação que fazemos das expressões artísticas”, conforme disse, de improviso, a diretora do AEV, Anabela Araújo, na abertura do certame –, coube à expansiva Bru Junça dinamizar sessões para crianças e pais como mediadora de leitura e exímia contadora de histórias em família. “Para mim, as histórias moram em dois lugares, na cabeça e nos livros,”, atalhou Margarida Junça, mais conhecida por Bru Junça, e foi à volta destes dois universos que a autora encantou a plateia, com histórias lidas e contadas com grande brilho.

Depois da história das “Orelhas”, a convidada leu narrativas de livros ilustrados como quem desfolha a vida e descreve os seres que habitam a mãe-natureza. “É no traço que desenho o encontro com o outro e é nas palavras que, sempre, desagua o abraço de um conto redondo, redondinho, como um novelo”, assim costuma Bru Junça definir o ato de ler entre linhas, tecidos, retratos e palavras, criando invariavelmente um mundo fantasiado, baseado em contos, canções da tradição oral, rimas e lengalengas. Não por acaso, os animais são personagens que ilustram os seus livros, alguns dos quais feitos à mão, marca de água que facilita a interação com o público infantil, como se viu na sessão inaugural do evento em que os pais foram também eles crianças.

Por seu lado, a ilustradora Zita Pinto, com formação em Geologia, espalhou o desenho numa oficina descontraída em que o grupo infantojuvenil logrou criar um portefólio de ilustrações tendo por base o binómio “sim”/“não”.

 

“Existe um grande paralelismo entre a arte e a ciência”

No “À conversa com” Nuno Maulide (Cientista do Ano em 2018), do Instituto de Química Orgânica, da Universidade de Viena (Áustria), ficou claramente evidenciado que é exequível “aliar o prazer da música ao fascínio da química”, de tal modo que o investigador começou a “dar concertos comentados” em que explica “as coisas da música ligando-as a conceitos da ciência”. Graças a esta simbiose, Nuno Maulide descobriu que “entre a arte (música) e a ciência (química) existe um grande paralelismo” e, através deste vínculo, consegue “tocar os corações do público”, transmitindo uma “mensagem de ciência sem ser desprovida de emoções”, revelou o professor de Química, através de uma conferência online mediada por António Teixeira Rodrigues e Emília Cerdeira.

Ligada igualmente à Engenharia Química (e Biológica), a investigadora Marlene Lopes, residente nos Arcos, esmiuçou o projeto “Micro4Food | Valorização de resíduos de frutas [laranja e banana] para produção de proteína microbiana”, de que é responsável, focando-se no “desenvolvimento de bioprocessos sustentáveis, com culturas microbianas, para a obtenção de compostos de valor acrescentado (enzimas, bio-óleos, ácidos orgânicos e proteína unicelular) a partir de substratos de baixo custo (subprodutos de atividades agroindustriais)”.

Ainda em fase de ensaios, o objetivo final da investigadora, no Centro de Engenharia Biológica, da Universidade do Minho, é a produção de “barritas proteicas, substitutas de uma refeição, facilmente transportáveis e de qualidade nutricional”.

Semana da Leitura, Ciência e Arte “semeou escola de sonho”

“As novas gerações vão ter de melhorar o mundo”

Na área das ciências socias subiu a primeiro plano o jornalista e historiador José Milhazes, que refletiu sobre a guerra na Ucrânia com consequências à escala planetária. Natural da Póvoa de Varzim, Milhazes foi estudar em 1977 para a então União Soviética, onde se licenciou em História da Rússia e aí se estabeleceu enquanto tradutor de obras literárias e políticas. Começou a fazer jornalismo em 1989 na qualidade de correspondente da TSF em Moscovo, tendo regressado a Portugal em 2015.

O grande especialista português da Rússia dirigiu-se a uma plateia de alunos do 9.º, 10.º e 11.º anos e a todos deixou uma mensagem de responsabilização.  “As novas gerações vão ter de melhorar o mundo que os mais velhos vos vão deixar. Urge tomar consciência de que aquilo que vos espera não vai ser nada fácil. Não trago, por isso, boas notícias, é aquilo que retiro da realidade”, começou por dizer o ilustre convidado.

“Estamos a viver num mundo extremamente instável. A Europa está em guerra. A vida que tivemos até 23 de fevereiro de 2022 terminou. Um novo capítulo começou a 24 de fevereiro de 2022, início da invasão da Ucrânia pelas tropas da Rússia, sem nenhuma razão para tal. Apesar da distância geográfica, a guerra é perto de nós, é em nossa casa, na Europa”, alertou.

Sem paninhos quentes, José Milhazes disse “ser intolerável que um ditador, Putin, invada um país soberano em pleno século XXI, perante a inoperância dos organismos internacionais e a indiferença dos dirigentes políticos, que não quiseram ver os primeiros sinais da tempestade que se aproximava, nomeadamente a invasão da Geórgia em 2008 e a anexação da Crimeia em 2014. Voltámos, pois, à lei da força e à lei do mais forte, foi isso que Putin trouxe para a política internacional, isto porque os interesses económicos foram colocados à frente de todos os outros interesses, designadamente os direitos dos povos e os direitos humanos, desde logo o direito à vida, direito espezinhado centenas ou milhares de vezes por dia”, concluiu o jornalista/comentador da SIC, que, apesar da toada pessimista, depositou uma réstia de esperança nas camadas mais jovens para mudar o rumo dos acontecimentos.

 

Condutas erradas no recreio e nas redes sociais

O direito à educação é inalienável, mas a crescente conflitualidade em meio escolar, levou Paula Varandas, autora do projeto “Educar para o Direito”, a consciencializar os jovens em relação à criminalidade, alertando-os para condutas erradas nas redes sociais e nos relacionamentos entre pares.

A advogada desmistificou temas prementes no presente como a “violência no namoro”, a “problemática das drogas” e os “conceitos de “bullying”, “ciberbullying”, “ameaças”, “injúrias”, “furto”, “roubo” e “arma branca”.

 

Balanço

Sem uma grande feira do livro para catapultar a cultura dos Arcos e da região, a Semana Concelhia da Leitura, Ciência e Arte ofereceu, ainda assim, um programa de luxo e chegou a mais pessoas e instituições, permitindo celebrar a leitura e os livros com vários momentos de apoteose.

Foram múltiplas as atividades desenvolvidas ao longo da semana, muitas das quais trabalhadas desde o início do ano letivo na EPRALIMA e nas várias unidades do AEV, aqui sob a monitorização de Alexandrina Martins (coordenadora da equipa das bibliotecas escolares), iniciativas que despertaram a (re)descoberta da palavra escrita, dita, cantada, declamada, ilustrada, num contexto de partilha com escritores, ilustradores e contadores de histórias, e onde a palavra de cientistas, investigadores e de muitos outros profissionais (cartunistas, arquitetos, fotógrafos, psiquiatras, psicólogos…) elevou sobremaneira o nível do evento, prendendo a atenção de mais de 2 mil alunos.

 

A.F.B.

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