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A consciência cívica do Padre Himalaya

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O Padre Himalaya (PdH), desde 1889, quando ainda frequentava o Seminário de Braga, manifestou várias vezes o seu sentido crítico em relação ao dogmatismo dalguns professores, chegando a organizar mesmo um grupo que denominou de Himalaítico.

Aí, defendeu as suas ideias em relação à “cosmologia” dominante. Explicitava, à sua maneira, os conceitos panteístas de Giordano Bruno, como por exemplo, o “infinito do universo”, a “natura naturans” e a “natura naturata”. Estes conceitos, que referem a relação entre a transcendência divina e a imanência da natureza, constituem uma cosmovisão que perdurará até ao fim da sua vida.

 

FOTO 0 Padre Himalaya

 

O PdH defenderá ainda, nesse período, o Padre Manuel Guimarães que era criticado pela sua postura liberal patente no livro que escreveu, Um cristão lançado às feras.

O Padre Manuel Guimarães, fervoroso militante republicano, era irmão do célebre Dr. Guimarães, que veio a ser o primeiro presidente da Câmara dos Arcos de Valdevez, após a implantação da República. Constava mesmo que o Padre Manuel Guimarães era carbonário e foi o responsável pela formação republicana do seu irmão, o Dr. Guimarães.

O PdH colocou-se também ao lado do movimento republicano, durante a revolta do “Ultimatum” britânico, em 11 de Janeiro de 1890. O “Ultimatum” tinha que ver com a apropriação pela Inglaterra dos territórios ultramarinos portugueses, conhecidos pelo “mapa cor-de-rosa”: da costa à contracosta entre Angola e Moçambique.

Os republicanos, diante desta submissão de Portugal, revoltaram-se. A 12 de Janeiro surgem vários motins em Lisboa: a estátua de Camões é envolta em panos negros. Camões, de luto, torna-se o símbolo dessa revolta republicana.

O Consulado Britânico, em Lisboa, foi apedrejado. Vários edifícios do Estado apareceram com as bandeiras a meia haste.

Manuel de Arriaga e Jacinto Nunes, notáveis republicanos, foram presos por fazerem discursos antimonárquicos, denunciando a “traição” da realeza.

Em 1891, na esteira desses movimentos, surge no Porto a revolta do 31 de Janeiro. É bem provável que o PdH estivesse envolvido nos acontecimentos que se desenrolaram na antiga Rua de Santo António, atual Rua 31 de Janeiro. O Padre João Pais Pinto, abade da freguesia de S. Nicolau, não suportando mais o silêncio sobre a miséria dos bairros degradados da sua paróquia, juntara-se ao movimento republicano.

Outros padres aderiram também a este movimento: Santos Farinha, Rodrigo Fernandes Fontinha, Casimiro Rodrigues de Sá e o já citado Padre Manuel Guimarães. Também um colega de Seminário, um arcuense muito amigo do PdH, mas que viria a abandonar o seminário sem acabar o curso, Cândido Gomes, participou no grupo de jovens armados que se manifestou na Rua de Santo António e que, confrontados com o tiroteio da guarda, se refugiaram numa casa dessa rua, que os acolheu. Cândido Gomes tornou-se jornalista do jornal A Palavra.

Foi também nesta altura que o Papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum, revelou uma grande abertura às ideias sociais da Igreja, considerando que uma pessoa era livre de escolher a sua orientação política. A isso chamou-se o “Ralliement”.

Não é por acaso que o PdH vai escrever três artigos no jornal católico A Palavra, defendendo esta posição.

Mais tarde, em 1899, o PdH vai para França, procurando encontrar um clima mais aberto e que se coadunasse com os seus ideais. Contacta o cientista republicano Marcelin Berthelot, em Meudon, no departamento do Collège de France com quem aprendeu muito, em química orgânica (fertilizantes e explosivos).

 

FOTO 1 Berthelot + FOTO 2 Meudon

 

Fez muitas amizades entre os católicos modernistas que pretendiam eliminar o fosso existente entre a “Fé” e a “Razão”.

Por isso o PdH, sem abdicar de ser cristão, pretendia demonstrar que a Igreja deveria adaptar-se aos novos conhecimentos da ciência, afastando-se das superstições e preconceitos.

Esta visão moderna vai expressar-se mais claramente nos Estados Unidos da América, em 1904, quando vai participar na Exposição Universal de St. Louis com o seu célebre invento, o “Pyrheliophero”.

Aí, convive com famílias progressistas como Broderick, Bouscaren e Garesché. Nessa época, o “americanismo”, movimento que corresponde duma forma mais intensa ao modernismo francês, consolidado pelo conhecido Cardeal Gibbon, é mais adequado à mentalidade técnico-científica da sociedade americana.

O PdH vai adotar essa mentalidade americana, tornando-se defensor do sufragismo, direito de voto das mulheres. Também se relacionou de forma pacífica e fraterna com protestantes, judeus, ortodoxos, muçulmanos, budistas, entre outras confissões. 

Esta atitude deu-lhe uma compreensão laica sobre a separação do Estado e da Igreja, contribuindo para uma visão democrática e tolerante da sociedade.

Conheceu personagens brilhantes como o Padre Zham, pensadores como Cyrus Adler, cientistas como o Dr. Woodward do Carnegie Institut, e sufragistas como Sarah Carr Upton, Mimi Garesché, Adéle Marion Fielde, Gabrielle Bouscaren, Charlotte Lincoln, entre outros. 

FOTO 3 Dr. Woodward + FOTO 4 Adèle Marion Fielde + FOTO 5 Bouscaren

 

Este “banho” cultural e científico, que recebeu na primeira viagem aos Estados Unidos., reforçou ainda mais a anterior formação que tinha feito na Alemanha, com Sebastian Kneipp, e em França, conforme referimos anteriormente. Esta nova mentalidade do PdH vai-se desenvolver em Portugal com a sua entrada na Academia de Sciências de Portugal (ASP).

 

Foto 6 – Teófilo Braga

 

Esta Academia pode considerar-se como um governo sombra dos republicanos e maçónicos, durante o período final da monarquia. O seu presidente foi Teófilo Braga, que veio também a ser o primeiro Presidente da República, em Outubro de 1910.

Nesse período final da Monarquia, entre 1907 e 1910, Portugal esteve sob o domínio da ditadura de João Franco. O PdH vai considerar este período como antidemocrático e anticonstitucional, sendo a causa direta do regicídio que resultou na morte do Rei e do filho herdeiro ao trono, Luís Filipe.

Também neste período, o académico Tomás Cabreira, engenheiro militar e candidato à Câmara de Lisboa, membro da ASP, foi preso no Forte de Elvas. O PdH, num gesto simbólico, que teve a aclamação da ASP, foi visitar este seu amigo, levando-lhe como presente, as célebres ameixas de Elvas.

Por este e por outros gestos de Himalaya, Aquilino Ribeiro, na sua obra Um escritor confessa-se, escreve que Himalaya era um “padre republicaníssimo”.

Quando o PdH adere a esta Academia, em 1907, vai contribuir, duma forma decisiva, para a mudança do regime, realizando um trabalho excecional com as suas propostas técnicas no domínio da agricultura, hidrologia, organização do território, floresta e energia.

O PdH revelou-se um verdadeiro sábio que, através dum civismo ativo, contribuiu para a mudança democrática do nosso País.

Ainda hoje, através do seu conhecimento transdisciplinar e da sua vertente ecológica, é um “farol” para um Portugal melhor!

Jacinto Rodrigues com a colaboração de Rosa Oliveira

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