10.7 C
Arcos de Valdevez Municipality
Segunda-feira, Dezembro 9, 2024
InícioOpinãoA consciência cívica do Padre Himalaya

A consciência cívica do Padre Himalaya

Date:

Relacionadas

Homenagem ao Dr. António Cacho

Estamos hoje na Igreja da Misericórdia, para prestar...

Olegário Gonçalves reconduzido à frente da Comissão Política Distrital do PSD

Olegário Gonçalves renovou o mandato como presidente da Comissão...

Olho de Lince Concelho mais pobre Em teu lençol rendado, todo...

Avaliação positiva” do primeiro Orçamento Participativo Municipal

Os projetos vencedores do primeiro Orçamento Participativo Municipal (OPM)...
spot_imgspot_img

O Padre Himalaya (PdH), desde 1889, quando ainda frequentava o Seminário de Braga, manifestou várias vezes o seu sentido crítico em relação ao dogmatismo dalguns professores, chegando a organizar mesmo um grupo que denominou de Himalaítico.

Aí, defendeu as suas ideias em relação à “cosmologia” dominante. Explicitava, à sua maneira, os conceitos panteístas de Giordano Bruno, como por exemplo, o “infinito do universo”, a “natura naturans” e a “natura naturata”. Estes conceitos, que referem a relação entre a transcendência divina e a imanência da natureza, constituem uma cosmovisão que perdurará até ao fim da sua vida.

 

FOTO 0 Padre Himalaya

 

O PdH defenderá ainda, nesse período, o Padre Manuel Guimarães que era criticado pela sua postura liberal patente no livro que escreveu, Um cristão lançado às feras.

O Padre Manuel Guimarães, fervoroso militante republicano, era irmão do célebre Dr. Guimarães, que veio a ser o primeiro presidente da Câmara dos Arcos de Valdevez, após a implantação da República. Constava mesmo que o Padre Manuel Guimarães era carbonário e foi o responsável pela formação republicana do seu irmão, o Dr. Guimarães.

O PdH colocou-se também ao lado do movimento republicano, durante a revolta do “Ultimatum” britânico, em 11 de Janeiro de 1890. O “Ultimatum” tinha que ver com a apropriação pela Inglaterra dos territórios ultramarinos portugueses, conhecidos pelo “mapa cor-de-rosa”: da costa à contracosta entre Angola e Moçambique.

Os republicanos, diante desta submissão de Portugal, revoltaram-se. A 12 de Janeiro surgem vários motins em Lisboa: a estátua de Camões é envolta em panos negros. Camões, de luto, torna-se o símbolo dessa revolta republicana.

O Consulado Britânico, em Lisboa, foi apedrejado. Vários edifícios do Estado apareceram com as bandeiras a meia haste.

Manuel de Arriaga e Jacinto Nunes, notáveis republicanos, foram presos por fazerem discursos antimonárquicos, denunciando a “traição” da realeza.

Em 1891, na esteira desses movimentos, surge no Porto a revolta do 31 de Janeiro. É bem provável que o PdH estivesse envolvido nos acontecimentos que se desenrolaram na antiga Rua de Santo António, atual Rua 31 de Janeiro. O Padre João Pais Pinto, abade da freguesia de S. Nicolau, não suportando mais o silêncio sobre a miséria dos bairros degradados da sua paróquia, juntara-se ao movimento republicano.

Outros padres aderiram também a este movimento: Santos Farinha, Rodrigo Fernandes Fontinha, Casimiro Rodrigues de Sá e o já citado Padre Manuel Guimarães. Também um colega de Seminário, um arcuense muito amigo do PdH, mas que viria a abandonar o seminário sem acabar o curso, Cândido Gomes, participou no grupo de jovens armados que se manifestou na Rua de Santo António e que, confrontados com o tiroteio da guarda, se refugiaram numa casa dessa rua, que os acolheu. Cândido Gomes tornou-se jornalista do jornal A Palavra.

Foi também nesta altura que o Papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum, revelou uma grande abertura às ideias sociais da Igreja, considerando que uma pessoa era livre de escolher a sua orientação política. A isso chamou-se o “Ralliement”.

Não é por acaso que o PdH vai escrever três artigos no jornal católico A Palavra, defendendo esta posição.

Mais tarde, em 1899, o PdH vai para França, procurando encontrar um clima mais aberto e que se coadunasse com os seus ideais. Contacta o cientista republicano Marcelin Berthelot, em Meudon, no departamento do Collège de France com quem aprendeu muito, em química orgânica (fertilizantes e explosivos).

 

FOTO 1 Berthelot + FOTO 2 Meudon

 

Fez muitas amizades entre os católicos modernistas que pretendiam eliminar o fosso existente entre a “Fé” e a “Razão”.

Por isso o PdH, sem abdicar de ser cristão, pretendia demonstrar que a Igreja deveria adaptar-se aos novos conhecimentos da ciência, afastando-se das superstições e preconceitos.

Esta visão moderna vai expressar-se mais claramente nos Estados Unidos da América, em 1904, quando vai participar na Exposição Universal de St. Louis com o seu célebre invento, o “Pyrheliophero”.

Aí, convive com famílias progressistas como Broderick, Bouscaren e Garesché. Nessa época, o “americanismo”, movimento que corresponde duma forma mais intensa ao modernismo francês, consolidado pelo conhecido Cardeal Gibbon, é mais adequado à mentalidade técnico-científica da sociedade americana.

O PdH vai adotar essa mentalidade americana, tornando-se defensor do sufragismo, direito de voto das mulheres. Também se relacionou de forma pacífica e fraterna com protestantes, judeus, ortodoxos, muçulmanos, budistas, entre outras confissões. 

Esta atitude deu-lhe uma compreensão laica sobre a separação do Estado e da Igreja, contribuindo para uma visão democrática e tolerante da sociedade.

Conheceu personagens brilhantes como o Padre Zham, pensadores como Cyrus Adler, cientistas como o Dr. Woodward do Carnegie Institut, e sufragistas como Sarah Carr Upton, Mimi Garesché, Adéle Marion Fielde, Gabrielle Bouscaren, Charlotte Lincoln, entre outros. 

FOTO 3 Dr. Woodward + FOTO 4 Adèle Marion Fielde + FOTO 5 Bouscaren

 

Este “banho” cultural e científico, que recebeu na primeira viagem aos Estados Unidos., reforçou ainda mais a anterior formação que tinha feito na Alemanha, com Sebastian Kneipp, e em França, conforme referimos anteriormente. Esta nova mentalidade do PdH vai-se desenvolver em Portugal com a sua entrada na Academia de Sciências de Portugal (ASP).

 

Foto 6 – Teófilo Braga

 

Esta Academia pode considerar-se como um governo sombra dos republicanos e maçónicos, durante o período final da monarquia. O seu presidente foi Teófilo Braga, que veio também a ser o primeiro Presidente da República, em Outubro de 1910.

Nesse período final da Monarquia, entre 1907 e 1910, Portugal esteve sob o domínio da ditadura de João Franco. O PdH vai considerar este período como antidemocrático e anticonstitucional, sendo a causa direta do regicídio que resultou na morte do Rei e do filho herdeiro ao trono, Luís Filipe.

Também neste período, o académico Tomás Cabreira, engenheiro militar e candidato à Câmara de Lisboa, membro da ASP, foi preso no Forte de Elvas. O PdH, num gesto simbólico, que teve a aclamação da ASP, foi visitar este seu amigo, levando-lhe como presente, as célebres ameixas de Elvas.

Por este e por outros gestos de Himalaya, Aquilino Ribeiro, na sua obra Um escritor confessa-se, escreve que Himalaya era um “padre republicaníssimo”.

Quando o PdH adere a esta Academia, em 1907, vai contribuir, duma forma decisiva, para a mudança do regime, realizando um trabalho excecional com as suas propostas técnicas no domínio da agricultura, hidrologia, organização do território, floresta e energia.

O PdH revelou-se um verdadeiro sábio que, através dum civismo ativo, contribuiu para a mudança democrática do nosso País.

Ainda hoje, através do seu conhecimento transdisciplinar e da sua vertente ecológica, é um “farol” para um Portugal melhor!

Jacinto Rodrigues com a colaboração de Rosa Oliveira

Subscreva

- Never miss a story with notifications

- Gain full access to our premium content

- Browse free from up to 5 devices at once

Recentes