O livro Egrejas e capelas romanicas da Ribeira Lima, datado de 1926, contém um trabalho sobre a Igreja de Santa Maria de Ermelo, da autoria do cónego Manuel de Aguiar Barreiros. Neste trabalho o estudioso debruça-se sobre o humilde mosteiro cisterciense, que data do século XII e do qual se conserva a igreja românica e vestígios do claustro em ruínas, ambos classificados como Monumento Nacional (D.L. n.º 129/77, de 29 de setembro). Por gentileza de Guimarães Costa, de São Jorge, o jornal Notícias dos Arcos teve acesso à obra (disponível online) publicada há 98 anos com o objetivo de retirar do esquecimento o conjunto patrimonial de inegável interesse, a vários níveis.
Manuel de Aguiar Barreiros esmiúça ao pormenor o cenóbio, sem descurar o espaço envolvente, apresentando um aturado estudo sobre o conjunto, a que anexa várias fotografias. O templo é descrito com um nicho arquitectónico de rara beleza, enquadrado numa paisagem “severa” e “agreste”.
O autor destaca a harmonia ou equilíbrio entre o inóspito da natureza e o belo do construído, e a sua investigação remete para a descoberta da memória do mosteiro, daquelas gentes e da terra. Na “arrojada concepção” nada está ao acaso: a orientação do edifício, a orientação solar, a cor original que era o branco…
Depois de fazer sobressair “o desconcertante aspecto” deste cenóbio, e da “orientação que o motivou”, Manuel de Aguiar Barreiros passa “em revista cada um dos membros arquitectónicos mais interessantes”.
“Na fachada principal, a sobrepujar a porta, uma fresta de arregace para o interior apresenta o fecho levemente ornatado no intradorso – particularidade que se repete numa das frestas laterais. De notável elegância, o pórtico, pela simplicidade que o caracteriza, contrasta em muito com a riqueza ornamental patenteada no muro do cruzeiro e na própria abside, descrevendo apenas um arco, como se fora de descarga, a envolver o tímpano, vazado no eixo por uma cruz equilátera contida num círculo, e firmado em mochetas almofadadas. Idênticas a esta são ainda as portas laterais”, lê-se.
“Os modilhões das cornijas contêm, na maior parte, ornamentação geométrica: enxadrezados, toros recurvados, besantes dispostos em linha vertical, tíbias recruzadas, etc.; mas encontram-se também na configuração de animais domésticos: o gato, o cavalo, o porco, etc.. No topo setentrional da grande parede do cruzeiro, dois destes modilhões ficaram ainda, como para indicar a altura das antigas colaterais, que eram cobertas, em continuação da nave central, por um telhado em duas vertentes comum às três naves, o qual se assinala ainda no declive angular sobre a rosácea. A sul, porém, o cunhal deste muro cruzeiro apresenta-se desmantelado”.
“[…] A rosácea comporta uma tríplice revolta concêntrica, de arregace duplo e oposto, circuitando um espelho vazado, de cujo centro maciço parte um feixe irradiante de colunelos ligados, nos extremos que se afastam, por uma coroa de arquinhos vazados, em cada um dos quais, no desvão, se abriga uma pérola. […]”
“Tal é o arranjo desta belíssima rosa, que, se é lícito dizê-lo, adiantou-se em anos que farte, à nobre disposição das rosáceas do primeiro período ogival; porque, entre nós, à parte a de Fontarcada (Póvoa de Lanhoso) que é já do século XIII, nenhuma das que alcançam os princípios do século XII se apresenta mais desprendida da traça, que não da ornamentação, imposta pelo cânon românico; e não é tão restrita a variedade de que este soube dispor. A [rosácea] de Bravães desenvolve, igualmente, a forma radiante e, como ela, outras a têm, ainda, adentro do século XII; mas, por mais formosas que se inculquem, reconhecem-se, por fim, acanhadas, à míngua daquela desenvoltura […] que distingue a de Ermelo”, conclui Manuel de Aguiar Barreiros.