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Sexta-feira, Dezembro 13, 2024
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Grupo ibérico quer candidatar espigueiros

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Decorreu nos Arcos o II Encontro Internacional da Rede Horrea 

Grupo ibérico quer candidatar espigueiros a Património Imaterial da UNESCO 

“Há mais de 3 mil espigueiros no concelho de Arcos de Valdevez”

“Urge divulgar, preservar e valorizar o legado dos antepassados”

O concelho de Arcos de Valdevez recebeu, de 19 a 21 de maio, o II Encontro Internacional da Rede Horrea, organizado pelo Grupo Horrea, que investiga os espigueiros da Península Ibérica. A iniciativa, com o apoio do Município arcuense, entrecruzou reuniões de trabalho, palestras, exibição de documentários e visitas a locais onde pontificam aglomerados de espigueiros e de canastros de varas, nomeadamente em Sistelo, Vilarinho do Souto (Ermelo), Soajo, Lindoso e Puxedo (Lobios, Galiza).

Esta Rede transfronteiriça Horrea (palavra que significa “espigueiros” em latim), fundada em 2021, é formada por investigadores, associações e centros de investigação dos dois lados da fronteira, e está a trabalhar para candidatar os espigueiros existentes na Península Ibérica a Património Imaterial da UNESCO. O processo com vista ao reconhecimento deste património vernacular arrancou em várias províncias de Espanha (Galiza, Astúrias, Leão, Euskadi, Navarra e Cantábria) e consolidou-se neste II Encontro Internacional da Rede Horrea com a participação de associações e investigadores do norte e centro de Portugal. “O nosso caminho só termina quando chegar a chancela da UNESCO, é por isso que estamos em contacto com associações de outros países onde existe este tipo de património. Será um caminho tortuoso, mas todos juntos, e sob liderança portuguesa, vamos ser bem-sucedidos”, disse, com convicção, Carlos Fernández Coto, presidente da Asociación para a Defensa do Patrimonio Cultural Galego (APATRIGAL), que integrou a organização, em parceria com Fernando Barros (natural do Vale), investigador do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, e Alice Tavares, presidente da Associação Portuguesa para a Reabilitação do Património Urbano. 

No ato solene de abertura dos trabalhos foi frisado pela Rede Horrea que “o património associado às estruturas agrícolas está muito relacionado com o cultivo de cereais (milho), matéria-prima do pão”, e, por esse facto, “há, ancestralmente, um vínculo entre o Homem, a paisagem e a arquitetura vernacular, com a transformação do monte agreste em solo agrícola através do engenho humano, em simbiose com construções adaptadas à produção e transformação do milho (socalcos, moinhos, azenhas, eiras, fornos…)”. 

Nas várias alocuções que preencheram as jornadas foi realçado que “os espigueiros, com o seu aspeto inconfundível e, ao mesmo tempo, requintado, sugerem poderosas edificações de eras remotas, lembrando ainda pequenas capelas (ou túmulos), embora a sua função seja bem terrena: conservar o milho”. 

“O espigueiro era, sobretudo, uma construção funcional para guardar o milho, mas este património também se revestia de um caráter simbólico e artístico. Em Portugal, tal como nas Astúrias, os espigueiros têm cruzes, datações e elementos decorativos nas portas de madeira”, corroboraram Fernando Barros e Fernando Mora, da Asociación del Hórreo Asturiano.

A partir das investigações já realizadas no terreno, a Rede Horrea conclui que a antiguidade dos espigueiros nos dois lados da fronteira é bastante díspar. “Em Portugal, os espigueiros em pedra mais antigos remontam ao século XVIII, mas a maior parte provém do século XIX e muitos já datam do século XX, enquanto isso, nas Astúrias, existem espigueiros em madeira com o dobro da idade, sinal de que há manutenção e uma durabilidade desses elementos muito interessante”, sublinhou o arquiteto Fernando Barros, com diverso trabalho produzido na área da arquitetura popular. 

Grupo Horrea
Durante a pandemia, foram estabelecidos contactos com agentes de diferentes áreas geográficas de Espanha e do norte de Portugal e, após uma série de reuniões virtuais, foi criado o Grupo Horrea, ao qual já foi dado estatuto jurídico. Para elevar os espigueiros ao “lugar que merecem”, o Grupo Horrea mantém interações com os Ministérios da Cultura de Espanha e Portugal.
A primeira reunião física do Grupo Horrea ocorreu em Candás (Astúrias) no ano findo, com a presença de oitenta pessoas, que promoveram reuniões com administrações e conferências.
No II Encontro em Terras de Valdevez, no passado fim de semana, as associações e investigadores de Espanha estiveram presentes em larga maioria.

Espigueiros classificados no concelho arcuense
No concelho de Arcos de Valdevez, há três núcleos de espigueiros classificados: o conjunto de 24 espigueiros na Eira do Penedo, na vila de Soajo, classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1983; o aglomerado existente no lugar de Selim, Couto, classificado como Património de Interesse Municipal; e as estruturas dispersas na aldeia de Sistelo, as quais integram a zona que foi classificada como Paisagem Cultural.
De entre os espigueiros espalhados pelo povoado de Soajo, em redor de paisagens que mais parecem saídas de um bilhete-postal, o exemplar mais antigo data de 1762 e o que mais sobressai pela sua monumentalidade mede 17 metros. Segundo Fernando Barros, autor de um trabalho de inventariação efetuado em julho de 2022, “existem cerca de 120 espigueiros na vila de Soajo e mais de trezentos em toda a freguesia”, mas é na Eira do Penedo, num “afloramento rochoso, em laje nativa de granito”, que se encontra “o agrupamento mais denso de espigueiros da localidade, representando uma das manifestações mais notáveis não só da respetiva tipologia como também da construção popular em geral”. Além de Soajo, nas restantes 50 freguesias (ou 35 circunscrições administrativas) de Arcos de Valdevez, “existem mais de 3 mil exemplares de espigueiros”, estima Fernando Barros.
Além dos espigueiros, o milho era também armazenado em canastros de varas, dos quais, hoje, restam apenas as bases circulares de pedra, como se observa na antiga eira de Vilar de Suente (Soajo), fronteira ao Caminho da Fecha da Veiga, completamente “despida” das estruturas que outrora embelezavam a área.
Em paralelo às conferências, o artesão Armando Carriça, com a ajuda do irmão Manuel e de voluntários, dinamizou uma oficina de construção de canastros de varas, “importante momento de partilha e transmissão de conhecimento desta técnica construtiva a cair em desuso”. Estas estruturas, em “formato cilíndrico”, eram “entrelaçadas com varas (de giesta, salgueiro, castanho, codesso…), podendo ter sete ou oito anos de durabilidade, mas o colmo não ia além dos dois ou três anos de longevidade”. Para o artesão de Aboim da Nóbrega, os canastros de varas eram pertença dos “agricultores mais modestos” e os “últimos exemplares remontam aos anos setenta do século passado”.
Em complemento, o arquiteto Rafael Freitas e os colaboradores espontâneos construíram uma “instalação artística”, em modos de “canastro versão século XXI”, através do reaproveitamento de materiais.

Fundamentos para a classificação
Os espigueiros são um património material diverso e em grande número na Península Ibérica. “Há 100 mil espigueiros na Galiza, 20 mil nas Astúrias, 2500 na Cantábria, milhares e milhares de norte a sul de Portugal”, quantificaram Carlos Fernándes Coto, Fernando Mora, Francisco Silió (Asociación Amigos del Hórreo Cántabro-AMHOCAN) e Alice Tavares, respetivamente. “Mas é, obviamente, impossível partir para a classificação de todos os exemplares ou pensar-se numa classificação internacional do ponto de vista do património construído. Daí que tenhamos de valorizar as questões imateriais associadas ao espigueiro. Primeiro, o espigueiro que representa a cultura local ligada ao mundo rural, à subsistência e à economia que era praticada nos respetivos núcleos; segundo, a dimensão artística que está subjacente à decoração das portas; terceiro, o património imaterial que surge ancorado no saber-fazer; quarto, o fenómeno simbólico e identitário através da integração ancestral destes elementos na paisagem, em jardins e na proximidade de casas”, resumiu Fernando Barros. Em sintonia, o galego Xosé María Suárez, professor catedrático de Geografia e História, relevou “o conteúdo imaterial dos espigueiros enquanto elemento central para a sua valorização”.
Além do estudo integrado deste património ancestral de grande importância, a organização do congresso formalizou, nos Arcos, a Rede Horrea, de molde a abranger novos parceiros institucionais e a preparar os próximos passos da elaboração da candidatura à UNESCO das várias tipologias de espigueiros ibéricos.

Estado de conservação dos espigueiros
Nos principais núcleos, os espigueiros apresentam-se ainda em bom estado de conservação, principalmente nas eiras onde a pedra é infinitamente maior do que a madeira, não carecendo, por isso, de especiais cuidados de manutenção. No entanto, em quintais, há cada vez mais espigueiros em ruínas e sem cobertura de madeira, sobrando apenas o corpo de pedra. Além da beleza, estas construções perderam a sua funcionalidade, embora existam casos de reutilização.
Sem o estatuto de património classificado, os espigueiros estão, irremediavelmente, à mercê do mercado da procura e da oferta. Em diversas aldeias de Arcos de Valdevez, os espigueiros têm sido desmantelados e as pedras transportadas para outros destinos, ficando as lajes desprovidas destas estruturas, havendo ainda situações em que os espigueiros estão ao abandono. É o caso do aglomerado de espigueiros que “enfeitava” o núcleo rural da Várzea, mas que está cada vez mais arruinado.

A.F.B.

 

Palavras ditas 

. “O que move o Grupo Horrea é a valorização e divulgação do património representado pelos espigueiros no sentido de alcançarmos uma classificação internacional, porque estas estruturas são das mais identitárias que temos”. (Fernando Barros, investigador do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetetura da Universidade do Porto)

 

. “Com o abandono progressivo da agricultura, os espigueiros perderam a sua funcionalidade e também foram perdendo algum do seu valor identitário. Mas, graças à divulgação feita pelos jornais e pelas redes sociais, observa-se um despertar de consciências, não pela utilização do espigueiro, mas pelo facto de ser um elemento distintivo que caracteriza as regiões onde este património existe, que pode continuar a funcionar para outros usos, como secar roupa ou armazenar outros produtos, além do milho. É verdade que a Galiza tem as normas de proteção mais avançadas (todos os espigueiros anteriores a 1901 são Bens de Interesse Cultural), mas a lei não é cumprida e muitos já foram deslocalizados sem consequências”. (Carlos Fernández Coto, presidente da Asociación para a Defensa do Patrimonio Cultural Galego)

 

. “Pretendemos melhorar as práticas de reabilitação e de valorização dos espigueiros através de uma visão integrada reunindo as comunidades locais. Este património tem de valer por si só enquanto marca do território, exigindo, por isso, que se mantenha a sua função primitiva ou que se promova um trabalho de readaptação, desde que não desvirtue a originalidade desses elementos”. (Alice Tavares, presidente da Associação Portuguesa para a Reabilitação do Património Urbano)

 

. “Nas Astúrias, há espigueiros muito antigos, de diversas tipologias e com motivos decorativos de especial interesse, inclusive elementos barrocos. Os espigueiros simbolizam, sem dúvida, um modo rústico de viver. É, portanto, um património vivo, não um fóssil. Na província asturiana, há equipas de pessoas que entrecruzam conhecimentos históricos com conhecimentos de marcenaria e carpintaria, através de oficinas de reabilitação de espigueiros”. (Fernando Mora, da Asociación del Hórreo Asturiano)

 

. “É triste a situação na Cantábria, mas é isso que nos faz estar nesta guerra para pormos a nossa região no mapa dos espigueiros a nível internacional, defendendo o nosso património. Temos apenas 2500 espigueiros, muitos dos quais degradados, temos de os recuperar, se não o fizermos em tempo útil vão desmoronar-se. A Rede Horrea é uma grande oportunidade para nós”. (Francisco Silió, Asociación Amigos del Hórreo Cántabro-AMHOCAN).

. “Os canastros de varas eram construídos entre finais de agosto e inícios de setembro, um pouco antes das desfolhadas de milho. Tal como o nome indica, eram feitos de varas, os elementos naturais (giestas, salgueiros…) secavam durante uns 15 dias para não se partirem e torcerem melhor, segundo as melhores técnicas de cestaria. Na sua elaboração eram utilizadas diversas ferramentas manuais, adaptadas ou não, nomeadamente o trado, a enchó, o guilherme, a plaina, a foice, o martelo, entre outras. Em Aboim da Nóbrega, há cerca de cinquenta anos que estas estruturas desapareceram da paisagem”. (Armando Carriça, artesão de canastros de varas)

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